segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Da economia para a sustentabilidade


Newsletter Itaú Socioambiental

Eles têm trajetórias parecidas: ambos construíram uma carreira sólida cobrindo pautas de economia na grande imprensa e agora estão à frente de projetos próprios voltados ao tema sustentabilidade. O jornalista Adalberto Marcondes foi editor na Gazeta Mercantil, trabalhou na revista Exame, no jornal O Estado de S.Paulo e na Agência Estado, sempre na editoria de finanças e economia. Hoje é diretor de redação da Envolverde, revista digital que há dez anos está na web. “Quando saí da Agência Estado, em 1998, já estava há três anos fazendo, como freelance, o Terramérica, um projeto da ONU para o meio ambiente”, lembra Adalberto. “Decidi, então, criar a Envolverde, passando a trabalhar com jornalismo ambiental.”

A trajetória de Sônia Araripe, diretora do site e da revista Plurale, que completaram seu primeiro aniversário recentemente, é bastante semelhante, com passagens pelas redações do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, O Dia, revistas Conjuntura Econômica e Forbes Brasil e Agência Broadcast. “Há uns cinco anos, fui para o mercado corporativo fazer assessoria de imprensa. Depois de um tempo, senti saudade de redação, foi quando surgiu a idéia de criar a Plurale em revista e Plurale em site. O projeto é meu e do Carlos Franco; ele fica em São Paulo e eu no Rio”, conta.

Nesta entrevista, Adalberto e Sônia falam do papel do jornalismo especializado na busca da sustentabilidade.

As pautas de economia e de sustentabilidade estão interligadas?

Adalberto Marcondes – Acho que a transição que o modelo econômico está passando agora é, justamente, promover a integração entre os aspectos econômicos, de responsabilidade social e sustentabilidade. O empresário americano Ray Anderson, um dos pioneiros em responsabilidade socioambiental empresarial, diz algo muito legal: “O objetivo de uma empresa não pode ser o lucro; o objetivo de uma empresa deve ser sua missão”. Lucro é apenas um dos componentes necessários para que uma empresa atinja sua missão. Quando você tem todas as empresas trabalhando sob essa ótica, tem uma nova economia. Uma economia voltada para satisfazer as necessidades reais das pessoas, e não simplesmente para gerar ganho para o acionista. Mas, entenda, gerar lucro é fundamental para que a empresa possa trabalhar pela sua missão.

Sônia Araripe – Quando comecei, meio ambiente e a área social eram guetos dentro do jornalismo. Poucas pessoas cobriam, poucas pessoas entendiam. Com o tempo, as empresas passaram a buscar sua sustentabilidade, e esse tema passou a ser recorrente. A imprensa, por sua vez, percebeu que não fazia sentido ter vários especialistas, um em meio ambiente, outro na área social, mais um em economia. O que faz sentido – e a nossa trajetória prova isso – é ter boas histórias para serem contadas. O nosso papel, como imprensa, é acompanhar o que aconteceu, e hoje está tudo muito integrado, como o Adalberto falou. As pautas se convergem. É imprescindível para um bom jornalista entender tanto de economia como de meio ambiente e da área social.

Quem são os leitores das matérias e dos artigos sobre sustentabilidade? Esse material desperta o interesse do público em geral?

Adalberto – Hoje, o perfil desse leitor é o mais variado possível. Qualquer pessoa pode ter interesse pelo tema sustentabilidade..

Sônia – Por isso acho importante que a matéria, o material produzido, não fale apenas para uma parcela da população. Tem que comunicar de forma simples. Afinal, é um assunto simples, não há nada de mirabolante.

Adalberto – Outra coisa que tem de ficar clara é que o que fazemos é jornalismo, não é militância. Às vezes, as pessoas dizem: “Você é ambientalista”. Não gosto desse rótulo. Sou jornalista. É óbvio que tenho informação sobre ambientalismo. É claro que, a partir do conhecimento, você adota comportamentos que o diferenciam. Mas o que praticamos é jornalismo. E digo mais, jornalismo da melhor qualidade.

Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos jornalistas que cobrem o setor? Por exemplo, vocês percebem que a “disponibilidade” das fontes não é a mesma quando a matéria é sobre sustentabilidade?

Sônia – Não temos problemas. Pelo contrário, somos muito procurados para pautas. O assédio é constante. A grande imprensa, na verdade, não tem espaço; tem um caderno, uma coluna, uma edição especial, mas não é o suficiente. A mídia especializada é o principal canal para desaguar esses assuntos.

Adalberto – Esse assédio também existe em cima da Envolverde. Mas queria comentar uma preocupação que tive quando saí da Agência Estado. Sempre me achei um jornalista bem relacionado com as fontes. Mas tinha consciência de que isso estava ligado ao meu sobrenome profissional. Eles atendiam o Adalberto da Exame, o Adalberto do Estadão, o Adalberto da Gazeta. Quando me desliguei e montei a Envolverde, pensei: “será que vou ter o mesmo acesso? Hoje, acho que o meu acesso é melhor. A Envolverde completou dez anos. Tem uma história, é uma marca que está posicionada no mercado. Produzimos matérias não só para o site, mas conteúdos específicos para a Agência Estado e para o Instituto Ethos. Temos também parcerias com outras publicações que utilizam o nosso material. Isso faz com que, muitas vezes, assessores de imprensa ou diretores de empresas decidam falar primeiro com a Envolverde, porque sabem que entendemos do assunto e que algo que é publicado no site é rapidamente disseminado. Para se ter uma idéia, fiz uma matéria sobre o Projeto Arara Azul que foi republicada 240 vezes.

Sônia – Essa experiência da republicação que o Adalberto comentou é algo novo para mim. Vivi muito tempo no universo de exclusividade, das grandes empresas jornalísticas. Com a Plurale, abriu-se uma janela que acho espetacular, uma janela para a verdadeira democratização da informação. Vejo nessas parcerias entre empresas de comunicação que cobrem a área de sustentabilidade algo muito maior. Nós fizemos recentemente, por exemplo, uma entrevista com o doutor Israel Klabin que foi publicada em 22 sites. Isso é extraordinário, porque a informação não pertence a mim ou à revista. Mas se você se considera dono exclusivo daquele conhecimento, daquele saber, daquele assunto, aquilo não cresce, não frutifica. O que vemos é o contrário, a comunicação conseguindo chegar a todos.

Adalberto – É quase ideológico: o próprio desenvolvimento sustentável emerge de um processo colaborativo. Emerge de um processo de integração. A economia sustentável é uma economia que leva em conta todos os atores.

Como avaliam a posição das empresas: há dificuldade em obter informações precisas?


Sônia – Não tenho dificuldade. Apenas queria dar um recado para os nossos colegas que vendem as pautas: acho que têm assuntos excelentes que as empresas não estão conseguindo fazer com que cheguem ao conhecimento da imprensa. Histórias fantásticas, fáceis de serem contadas, como a de jovens em situação de risco que agora participam de um projeto, patrocinado por uma operadora de telefonia, no qual são capacitados para fazer jogos para computadores. A gente foi, acompanhou e me impressionou muito a história de um dos meninos, que disse: “Puxa, achava que seria gari como meu pai, mas agora não. Quero trabalhar com informática”. A produção dessa pauta só foi possível graças à indicação da assessora de imprensa. Trazer esses casos é um desafio para as empresas.

Adalberto – O jornalista que faz assessoria de imprensa tem que olhar para dentro da empresa e reconhecer as novas pautas. Sair daquela mesmice do resultado, do número, da frase do diretor, do programa de carbono, e construir novas pautas, construir novos enfoques.

E os jornalistas, estão preparados para cobrir o tema?


Adalberto – Tem gente boa. Já foi uma catástrofe, uma tragédia, mas agora tem gente da melhor qualidade. Tem também uma juventude entrando nessa área com vontade.

Comparando com outros países, como vêem a cobertura do assunto pela imprensa? A pauta de sustentabilidade tem espaço garantido nos veículos de comunicação?


Adalberto – A imprensa brasileira publica muita coisa sobre sustentabilidade. Às vezes, as pessoas acham que o tema não está na mídia, e não é verdade. Mas nem sempre foi assim. Vou dar um exemplo. Em 1990-1991, estava trabalhando em uma importante revista e a gente se reunia a cada quinze dias para fazer a pauta. Sistematicamente, quando eu começava a falar de algum assunto com a transversalidade socioambiental, algum dos meus colegas editores dizia: “Lá vem você com suas pautas alface”. Isso era recorrente. Era uma briga conseguir emplacar um tema. Agora, colegas da grande imprensa ligam pedindo ajuda ou solicitando a indicação de fontes. A pauta “alfacinha” ganhou um novo valor dentro da mídia.

Sônia – Concordo que cresceu muito o espaço destinado ao tema, estimulado pelo interesse do público. Até porque você não vai publicar o que o público não quer ler. Acho que a imprensa especializada também teve papel decisivo nesse processo. Os veículos especializados acabam formando, pautando a grande mídia. Mas ainda há muito espaço para crescer, assim como deve aumentar o interesse das pessoas pelo tema. O nosso desafio é transformá-lo em histórias comuns. Vai depender de como a gente escreve, para não ficar uma coisa para poucos.

Vocês perceberam mudanças desde que começaram a cobrir o assunto?

Adalberto – O mundo mudou. O mundo da década de 90, da segunda metade do século 20, é um mundo de uma série de romantismos que ficaram lá atrás. O mundo do século 21 é o mundo da realidade e dos limites, da realidade da exclusão social e dos limites ambientais. Não que a gente não tivesse essa percepção, mas os cenários econômico e político a ignoravam. As empresas também mudaram, e mudaram porque perceberam que esses limites impactam em seu negócio. Você não pode ter uma empresa de sucesso, inserida numa sociedade fracassada. Você não pode ter uma empresa de sucesso que vai ter sua matéria-prima esgotada em dez anos. Mudou o investidor. Nos anos 80, o investidor era um predador. Não se importava em que tipo de empresa estava investindo, queria apenas ter lucro. Hoje, o perfil é focado na perenidade. Por quê? Porque o grande capital está nas mãos dos fundos de pensão e eles não podem ter prejuízo, não podem comprometer a sua função primordial, que é pagar pensões. Se uma determinada empresa carrega passivos ambientais, passivos sociais, trabalhistas, ou se trabalha com produtos que a sociedade tende a rejeitar a médio prazo, os fundos de pensão acabam tirando o dinheiro dali. Enfim, a forma de a sociedade se relacionar com as empresas mudou.

Sônia – Vejo com muito temor o que chamo de “modismo da sustentabilidade”. Ser sustentável não é você criar um slogan bonito e adicionar à sua marca. Ser sustentável começa a partir de ações concretas adotadas no dia-a-dia. Acredito que, daqui para frente, o que vai fazer a diferença é o consumidor. Por muito tempo, a gente viu o consumidor americano como exigente. Já o brasileiro é aquele cara para o qual você empurra qualquer negócio. Mas isso está mudando. Se as empresas não estiverem preparadas para ficar mais próximas do consumidor, vão perder espaço.

(Envolverde/Newsletter Itaú Socioambiental)

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