quarta-feira, 10 de setembro de 2008

RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL - A imprensa não entra no debate

Por Luciano Martins Costa em 9/9/2008 - do Observatório da Imprensa

As questões envolvidas nas expressões "responsabilidade social corporativa", "investimento social privado", "responsabilidade ambiental" e "sustentabilidade" ainda são tratadas na imprensa brasileira em nível muito superficial – e de maneira muito irresponsável, pode-se afirmar. Não bastaria dizer, como justificativa, que as mudanças de paradigmas sempre demoram a se concretizar e a compor tendências, que estaríamos vivendo um momento de transição e que, portanto, é natural esperar que as cabeças pensantes da imprensa se situem no novo contexto.

O problema da resistência da mídia em pelo menos entrar honestamente no debate deve ter outras causas. Primariamente, não seria respeitoso imaginar que ainda possa persistir entre jornalistas, articulistas, gestores e agregados aos meios de comunicação a ilusão de que a economia pode continuar crescendo em todo o planeta sem que se alterem as relações entre os processos produtivos e o patrimônio ambiental. Da mesma forma, seria debochar da inteligência emprestada à mídia considerar que ela aceita como inevitável a sucessão quase interminável de conflitos de toda espécie que compõem o cenário global, desde as brigas de gangues ao terrorismo internacional. Num ambiente social assim deteriorado, não há capital que resista por muito tempo.

Então, por que a imprensa segue impondo aos seus leitores e à sua audiência uma visão obsoleta do mundo, na qual a defesa do meio ambiente e a defesa da responsabilidade social do capital são apresentadas como teses de "naturebas" radicais que se opõem ao progresso do capitalismo, de velhos hippies deslocados na "pós-modernidade" ou de marxistas inconformados?

A inteligência da mídia sabe que não se trata disso. Mesmo a mais conservadora inteligência da mídia reconhece que o conflito ideológico contemporâneo tem a mesma raiz de todos os tempos – a manifestação de padrões desiguais de entendimento sobre o que seja utopia e o que seja ilusão –, mas a visão bipolar que marcou os séculos 19 e 20 não cabe nos paradigmas atuais, impostos pela globalização.

Caridade velha de guerra

A rigor, esse debate se resolve no ambiente científico, se considerarmos que a ilusão é a construção de perspectivas com base em premissas falsas e a utopia é a construção de perspectivas com base científica. Se alguém afirmar que é possível impor um "grande islã" planetário ou uma "irmandade do coração de Maria" global, a ciência vai ponderar que a humanidade busca naturalmente a diversidade como condição para sua sobrevivência, outros pensadores vão lembrar que o ser humano evolui no sentido da ampliação de sua consciência e sempre haverá alguém para decretar que a estupidez tem limites.

O que fica difícil entender é por que razão a imprensa se nega a deixar que o debate sobre a convergência dos desafios social e ambiental se estenda para o terreno onde ele realmente pode avançar, que é a questão do papel social do capital. Ou, dito de outra forma, sobre a natureza do capital. Dizer simplesmente que tal ou qual manifestação de preocupação com o destino do mundo, como a defesa do meio ambiente e a luta por igualdade social, é apenas arenga de velhos comunistas, equivale a chamar o leitor de estúpido. Mais do que isso, representa falta de responsabilidade social, descumprimento do papel social da imprensa de estimular a inteligência da sociedade.

Visto pelos próprios olhos da imprensa, o estado do mundo indica que a equação planetária não se resolve plantando mudinhas de ipê no jardim da empresa ou doando parte dos lucros e alguns computadores usados para a escolinha de capoeira dos negrinhos da Vila Nhocuné. Ou, para evitar mal-entendidos, para a população carente da Vila Nhocuné, onde se pode identificar grande número de infantes afro-descendentes. Sim, porque a imprensa pode ser ao mesmo tempo, contraditoriamente, socialmente irresponsável e politicamente correta.

Há muito conhecimento disponível sobre as causas defendidas por ambientalistas e pelos praticantes da gestão pela sustentabilidade que indicam a premência de incluir entre as variáveis do balanço das empresas a questão ambiental e a capacidade do capital de produzir resultados sociais tão positivos quanto seus lucros financeiros. Mas o padrão na imprensa ainda é afirmar que "o lucro é a razão de existir da empresa", fazendo a concessão segundo a qual, tendo lucros, uma empresa pode distribuir uma parte de seus resultados sob a forma da responsabilidade social. Alguns chegam a acrescentar o bordão de origem cristã pelo qual, ao doar parte de seus ganhos, o capital estaria demonstrando sua gratidão pelas bênçãos de seus lucros. A velha e boa caridade travestida de responsabilidade social.

Responsabilidades recíprocas

Essa visão obsoleta da questão social não merece os bits de uma linha na tela do computador, mas é a idéia que predomina na imprensa. Raramente se observa, em qualquer jornal ou revista, uma reportagem ou análise que contemple, por exemplo, os novos padrões de risco que desafiam os empreendedores, as novas métricas que permitem tangibilizar perdas e ganhos sociais e ambientais, ou, um pouco mais adiante, questões como capital e democracia, capital e igualdade social, capital e garantia de usufruto dos bens naturais para as futuras gerações.

Um exemplo desse anacronismo da imprensa é a abordagem da questão do aquecimento global. Mesmo que haja cientistas de boa reputação criticando pontos do relatório sobre mudanças climáticas que assombrou o mundo em fevereiro de 2007 – e os há, sim, misturados a picaretas financiados pela indústria poluidora – a questão ambiental não tem, nunca teve, como vértice o problema meteorológico. O aquecimento global é apenas uma bandeira adicional, que foi irresponsavelmente empunhada pela imprensa em todo o mundo, criando um catastrofismo que, em vez de inspirar mudanças de comportamento, provoca o fatalismo conformista que nada muda.

A verdadeira questão do movimento ambientalista e do movimento por responsabilidade social se baseia no princípio segundo o qual os indivíduos são responsáveis pelo todo social e ambiental. Segundo esse princípio, a responsabilidade de usar os meios disponíves não se limita à imposição de limites horizontais, que definem os direitos compartilhados com os contemporâneos, mas também aos limites verticais, que significam o respeito ao direito futuro das gerações que ainda estão por vir, e o respeito ao passado, ao modo de vida de populações que preferem seguir o caminho da evolução social à sua maneira e em seu próprio ritmo.

São responsabilidades recíprocas e correspondentes, e nada têm a ver com opções do tipo esquerda-direita, como dá a entender a visão reducionista predominante na mídia.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

RETRATO DA AMAZÔNIA - O que mostra uma boa reportagem

Por Luciano Martins Costa em 8/9/2008

Sobre comentário para o programa radiofônico do OI, 8/9/2008

A reportagem publicada no fim de semana pelo Estado de S.Paulo poderia ser usada como tema de uma aula sobre responsabilidade social, assunto que a imprensa costuma ignorar, quando não o trata com absoluta superficialidade. Os repórteres pintam um retrato chocante da região amazônica, onde os royalties do petróleo, do gás e dos minérios produzem ainda mais miséria.

Em Coari, no Amazonas, Juruti e Parauapebas, no Pará, empresas cujos relatórios de sustentabilideade brilham de tantas ações generosas são apontadas como responsáveis pela desagregação social e por um dos mais graves casos de exploração sexual de crianças e adolescentes que a imprensa já registrou no país.

Ali atuam a Vale do Rio Doce, a Alcoa e a Petrobras, empresas cujas ações cintilam nas bolsas de valores e cujos departamentos de marketing vendem a imagem da sustentabilidadee e da responsabilidade social. Mas a realidade constatada pelos repórteres do Estadão é a do contraste entre o crescimento econômico e o crescimento da violência e da corrupção.

Boas intenções

A reportagem deixa claro que, 34 anos depois da abertura da Transamazônica e 25 anos depois do auge do garimpo em Serra Pelada e da construção da hidrelétrica de Tucuruí, o Brasil ainda não foi capaz de produzir uma estratégia de desenvolvimento para a Amazônia que não seja simplesmente mais uma porta para a miséria e a exploração de seus habitantes e de seu patrimônio natural.

Exatamente onde mais jorra o dinheiro dos royalties pagos pelas empresas que extraem petróleo, gás e minérios, os números da exploração sexual de crianças e os índices de qualidade de vida são piores do que os das demais cidades da região.

Os dados apresentados pela reportagem são inquestionáveis: somente em Coari, com a chegada da Petrobras, o número de mães com até quinze anos de idade subiu de 1,7% para 13,9% do total de partos por ano.

As empresas que exploram as riquezas da região recheiam seus relatórios de sustentabilidade com belas iniciativas e as melhores intenções. Mas nada como uma boa reportagem para colocar por terra toda propaganda.

De O Estado de S. Paulo - Cidades amazônicas viram eldorados da prostituição infantil

Ao lado dos lucros com petróleo e mineração, 3 cidades amazônicas vêem crescer abusos e gravidez precoce

Leonencio Nossa, enviado especial de O Estado de S. Paulo

Na foto, 'menina do trem' em Parauapebas

Celso Junior/AE

Na foto, 'menina do trem' em Parauapebas

COARI (AM), JURUTI (PA) e PARAUAPEBAS (PA) - Os novos eldorados econômicos da Amazônia apresentam números de exploração sexual de crianças e índices de qualidade de vida na infância piores que os de outras cidades na floresta, informam os enviados especiais do Estado à região Leonêncio Nossa e Celso Júnior. Leia reportagem completa na edição do Estado deste domingo.

Veja também:

Galeria de fotos: prostituição infantil na Amazônia (Copiar e colar no navegador)

http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowGaleria.action?idGaleria=975

Líderes na arrecadação de impostos e royalties de gás, petróleo, bauxita e minério, os municípios de Coari (AM), Juruti e Parauapebas (PA) vivem um boom econômico, mas registram, ao mesmo tempo, índices de violência contra meninas proporcionalmente semelhantes aos que surgiram nos anos 70, no rastro da traumática experiência de desenvolvimento impulsionada pela Rodovia Transamazônica, pela mina de Serra Pelada e pela hidrelétrica de Tucuruí.

Após 34 anos da abertura da Transamazônica e de 25 anos do auge do garimpo e da inauguração da usina, a Amazônia desses municípios repete padrões de crescimento igualmente destruidores, tem gestões públicas sem transparência, além de ignorar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A estatística das meninas grávidas com idade até 15 anos é o retrato fiel da situação. Das mulheres que tiveram filhos no Brasil, nos primeiros seis meses deste ano, 1,3% estavam nessa faixa. Esse índice cresce nos Estados do Amazonas e do Pará para 1,9%, mas é dez vezes maior em Coari, 13,9% - em 1995, um ano antes da chegada da Petrobras à cidade, 1,7% das grávidas do local tinha idade abaixo de 15 anos.

Parauapebas registrou no primeiro semestre deste ano uma taxa de 2% de grávidas com idade abaixo de 15 anos. Em Juruti, do total de grávidas atendidas no hospital local, no ano passado, 2,5% tinham idade abaixo de 15 anos - esse porcentual foi de 0,9% em 1995.

Nos projetos de prefeituras e empresas que lideram a atividade econômica nesses locais - Alcoa, Vale e Petrobrás - sobram intenções e faltam objetivos práticos que mudem o panorama. E não é por falta de dinheiro.