segunda-feira, 8 de setembro de 2008

RETRATO DA AMAZÔNIA - O que mostra uma boa reportagem

Por Luciano Martins Costa em 8/9/2008

Sobre comentário para o programa radiofônico do OI, 8/9/2008

A reportagem publicada no fim de semana pelo Estado de S.Paulo poderia ser usada como tema de uma aula sobre responsabilidade social, assunto que a imprensa costuma ignorar, quando não o trata com absoluta superficialidade. Os repórteres pintam um retrato chocante da região amazônica, onde os royalties do petróleo, do gás e dos minérios produzem ainda mais miséria.

Em Coari, no Amazonas, Juruti e Parauapebas, no Pará, empresas cujos relatórios de sustentabilideade brilham de tantas ações generosas são apontadas como responsáveis pela desagregação social e por um dos mais graves casos de exploração sexual de crianças e adolescentes que a imprensa já registrou no país.

Ali atuam a Vale do Rio Doce, a Alcoa e a Petrobras, empresas cujas ações cintilam nas bolsas de valores e cujos departamentos de marketing vendem a imagem da sustentabilidadee e da responsabilidade social. Mas a realidade constatada pelos repórteres do Estadão é a do contraste entre o crescimento econômico e o crescimento da violência e da corrupção.

Boas intenções

A reportagem deixa claro que, 34 anos depois da abertura da Transamazônica e 25 anos depois do auge do garimpo em Serra Pelada e da construção da hidrelétrica de Tucuruí, o Brasil ainda não foi capaz de produzir uma estratégia de desenvolvimento para a Amazônia que não seja simplesmente mais uma porta para a miséria e a exploração de seus habitantes e de seu patrimônio natural.

Exatamente onde mais jorra o dinheiro dos royalties pagos pelas empresas que extraem petróleo, gás e minérios, os números da exploração sexual de crianças e os índices de qualidade de vida são piores do que os das demais cidades da região.

Os dados apresentados pela reportagem são inquestionáveis: somente em Coari, com a chegada da Petrobras, o número de mães com até quinze anos de idade subiu de 1,7% para 13,9% do total de partos por ano.

As empresas que exploram as riquezas da região recheiam seus relatórios de sustentabilidade com belas iniciativas e as melhores intenções. Mas nada como uma boa reportagem para colocar por terra toda propaganda.

De O Estado de S. Paulo - Cidades amazônicas viram eldorados da prostituição infantil

Ao lado dos lucros com petróleo e mineração, 3 cidades amazônicas vêem crescer abusos e gravidez precoce

Leonencio Nossa, enviado especial de O Estado de S. Paulo

Na foto, 'menina do trem' em Parauapebas

Celso Junior/AE

Na foto, 'menina do trem' em Parauapebas

COARI (AM), JURUTI (PA) e PARAUAPEBAS (PA) - Os novos eldorados econômicos da Amazônia apresentam números de exploração sexual de crianças e índices de qualidade de vida na infância piores que os de outras cidades na floresta, informam os enviados especiais do Estado à região Leonêncio Nossa e Celso Júnior. Leia reportagem completa na edição do Estado deste domingo.

Veja também:

Galeria de fotos: prostituição infantil na Amazônia (Copiar e colar no navegador)

http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowGaleria.action?idGaleria=975

Líderes na arrecadação de impostos e royalties de gás, petróleo, bauxita e minério, os municípios de Coari (AM), Juruti e Parauapebas (PA) vivem um boom econômico, mas registram, ao mesmo tempo, índices de violência contra meninas proporcionalmente semelhantes aos que surgiram nos anos 70, no rastro da traumática experiência de desenvolvimento impulsionada pela Rodovia Transamazônica, pela mina de Serra Pelada e pela hidrelétrica de Tucuruí.

Após 34 anos da abertura da Transamazônica e de 25 anos do auge do garimpo e da inauguração da usina, a Amazônia desses municípios repete padrões de crescimento igualmente destruidores, tem gestões públicas sem transparência, além de ignorar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A estatística das meninas grávidas com idade até 15 anos é o retrato fiel da situação. Das mulheres que tiveram filhos no Brasil, nos primeiros seis meses deste ano, 1,3% estavam nessa faixa. Esse índice cresce nos Estados do Amazonas e do Pará para 1,9%, mas é dez vezes maior em Coari, 13,9% - em 1995, um ano antes da chegada da Petrobras à cidade, 1,7% das grávidas do local tinha idade abaixo de 15 anos.

Parauapebas registrou no primeiro semestre deste ano uma taxa de 2% de grávidas com idade abaixo de 15 anos. Em Juruti, do total de grávidas atendidas no hospital local, no ano passado, 2,5% tinham idade abaixo de 15 anos - esse porcentual foi de 0,9% em 1995.

Nos projetos de prefeituras e empresas que lideram a atividade econômica nesses locais - Alcoa, Vale e Petrobrás - sobram intenções e faltam objetivos práticos que mudem o panorama. E não é por falta de dinheiro.

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