sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O jornalismo de nicho


Uma das tarefas mais difíceis do jornalismo é procurar sintetizar uma realidade complexa em poucas linhas de texto, em alguns segundos de imagens ou escassos minutos em áudio. É o grande quebra cabeças e a principal fonte de divergências entre profissionais, fontes e o público.

Isto é tão velho quanto a atividade jornalística, mas a cada dia que passa a dificuldade aumenta porque até os fatos mais corriqueiros estão se transformando em realidades complexas dada a multiplicação de percepções diferentes transmitidas por diferentes canais de comunicação que conformam a badalada avalancha informativa gerada pela digitalização e pela internet.

Até agora os leitores, ouvintes e telespectadores foram acostumados a esperar dos veículos jornalísticos uma síntese da realidade empacotada em notícias, análises e comentários que pretendiam dar ao público consumidor de informações uma idéia simplificada dos acontecimentos quotidianos.

Esta tarefa torna-se cada vez mais inviável dada a crescente diversificação de percepções, o que nos leva a duas indagações:

a) Para que servem então os jornalistas?

b) Como é que vamos tentar entender o mundo?

A resposta à primeira indagação é parcial. Uma coisa já está clara, não podemos mais jogar sobre os jornalistas a responsabilidade de fazer a síntese diária do mundo para nós leitores porque o mundo ficou complexo demais para ser resumido em linhas de texto ou segundos de tempo. Mas ainda resta pesquisar quais as novas funções dos jornalistas no mundo da informação digital.

Já a segunda indagação tem uma resposta definida embora tão complexa quando a dúvida que a motivou. A síntese do mundo será feita por todos nós, pela soma dos nossos conhecimentos e percepções recombinados de forma coletiva. A síntese quotidiana do que acontece no mundo não será mais feita por uma redação ou por um grupo de profissionais, mas pelo conjunto dos chamados produsers, jargão gringo para a nova figura dos produtores e consumidores de informações, ou seja, todos nós.

A atividade jornalística começa a ficar cada vez mais fragmentada entre milhares de produsers, onde cada um deles tem uma competência limitada porque não pode ter a visão do todo, ou seja de toda a complexidade dos fatos, dados, processos e notícias do nosso quotidiano. A fragmentação noticiosa gera a dependência da diversidade de fontes informativas o que abre a possibilidade do jornalismo de nicho ou segmentado.

Quanto maior a fragmentação ou segmentação informativa, maior a diversidade de fontes e percepções, dando como resultado uma informação mais contextualizada e mais próxima da realidade. Aí estão delineadas algumas das possíveis funções futuras do jornalismo.

Mas tudo isto ainda depende do fator financeiro, ou seja, da sustentabilidade econômica e é ai que está o grande desafio para todos nós, jornalistas ou produsers. Da mesa forma que a produção da síntese noticiosa passa a ser uma tarefa coletiva, a busca de fórmulas para a sustentabilidade econômica da atividade jornalística segmentada passa também a ser uma questão social.

A realidade atual nos aponta duas possibilidades: a atividade jornalística sustentada por interesses comerciais, mais ou menos como é hoje; ou então patrocinada pelo Estado. Na conjuntura atual, é fácil perceber que nenhuma delas vai conseguir um mínimo de consenso.

Mas existe uma terceira, que é o financiamento pela sociedade. Normalmente o governo seria o representante da sociedade e portanto o canal adequado para financiar a atividade jornalística. Mas como ainda vai demorar muito para que os governos deixem de ser feudos de interesses privados de todos os tipos, voltamos ao impasse do parágrafo anterior.

Assim, não há outro jeito senão a sociedade desenvolver de forma coletiva e autônoma a viabilização dos recursos financeiros necessários para garantir a sustentabilidade do jornalismo de nicho. Não é difícil prever que este pode ser um processo demorado, complexo e incerto. Mas por enquanto parece ser o único capaz de garantir que os desejos e necessidades dos produsers não sejam manipulados por grandes corporações ou pela burocracia estatal transformada em super partido político com interesses próprios.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A imprensa verde

Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa

Os debates sobre a questão ambiental há muito ocupam lugar de destaque na agenda econômica internacional. O tema conquistou espaço entre os indicadores de desempenho dos investimentos, com referências rotineiras nos principais órgãos informativos do mundo, tanto no papel como na televisão e na internet, por meio do acompanhamento do valor das ações dos chamados fundos sustentáveis.

O mais importante desses indicadores, o Índice Dow Jones de Sustentabilidade, completou dez anos em setembro, consolidando-se como principal parâmetro para a análise dos investimentos em negócios chamados socialmente responsáveis.

O histórico desses indicadores e dos fundos de investimentos formados por ações de empresas que lideram esse movimento no mundo financeiro revela um desempenho regularmente superior ao das demais companhias de capital aberto e menor vulnerabilidade desses papéis às oscilações do mercado. No entanto, a imprensa brasileira ainda trata essa vanguarda como uma faixa marginal do ambiente de negócios.

Pelo nome

São raros os movimentos no sentido de relacionar estratégias sustentáveis de negócio ao tema geral da defesa do meio ambiente e da responsabilidade social, como se os editores estivessem convencidos definitivamente de que o capitalismo tem que ser necessariamente um ambiente selvagem no qual o respeito à natureza e o humanismo representam sinais de vulnerabilidade.

Nesse cenário, chama atenção a iniciativa da revista CartaCapital, que inaugurou, na edição desta semana, um encarte trimestral sobre o tema, composto em parceria com a agência de notícias Envolverde. A aliança com uma das mais respeitadas mídias socioambientais dá à CartaCapital a oportunidade de abordar com profundidade essas questões.

A edição inaugural do suplemento se concentra nos debates que antecedem a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Clima, oferecendo uma visão ampla do desafio que os líderes mundiais terão de encarar em Copenhague daqui a dois meses. A "Carta Verde", como é denominado o suplemento, peca apenas no nome. A expressão tem sido contaminada por muitas ações publicitárias de empresas que mais se dedicam a limpar sua imagem do que a cuidar realmente do meio ambiente.

Simplificando

A busca da síntese é da natureza do jornalismo. Assim, jornais e revistas estão sempre buscando a expressão mais sucinta para conjuntos densos de informações. Essa tendência certamente está na raiz das reduções que muitas vezes dificultam o entendimento de temas complexos, como a questão da sustentabilidade, os conflitos rurais, os desafios da educação e da segurança pública, a qualidade de vida nas grandes cidades e até mesmo a estratégia para exploração das últimas reservas de petróleo do planeta.

No caso do amplo temário que se abriga sob a denominação "sustentabilidade", as simplificações mais atrapalham que ajudam. Como exemplo, pode-se observar como a imprensa rotineiramente trata a questão amazônica quase sempre sob o olhar esfumaçado dos índices de queimadas e do desmatamento. Não se registra qualquer interesse em vincular a preservação da floresta ao tema das políticas agrárias ou das práticas dos negócios rurais. Mais distante ainda é a possibilidade de o leitor se deparar com reportagens que vinculem a preservação do patrimônio ambiental com a questão da gestão territorial.

A imprensa, de modo geral, discute separadamente meio ambiente, agronegócio, agricultura familiar, movimentos de lavradores sem terra e violência no campo. A parceria entre a CartaCapital e a Agência Envolverde pode enriquecer esse cenário.

Muito mais

Quando se referem à floresta Amazônica, no contexto da preservação, jornais e revistas quase sempre ficam presos aos números do desmatamento. A Amazônia não deve ser analisada apenas do ponto de vista do balanço negativo produzido pelo desmatamento, da emissão de carbono quando é queimada, mas principalmente pelo ângulo positivo de sua função na regulação do clima, do potencial de negócios com o mercado de compensação de carbono – ainda que controverso – e da percepção do real valor da floresta em pé.

Da mesma forma, uma empresa que contribui para mudar os paradigmas econômicos através de uma estratégia de responsabilidade social e ambiental é muito mais do que uma empresa "verde".

* Comentário para o programa radiofônico do OI, 15/10/2009.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

“Parece que a CET está incomodada com a ciclofaixa”

Do blog "Pra lá e pra cá", do jornalista Thiago Guimarães

Hoje a conversa é com André Pasqualini. Se você acompanha as notícias sobre mobilidade urbana na cidade de São Paulo, deve associar esse nome a diversos acontecimentos. André é o cicloativista que foi preso no ano passado por ter ficado pelado na Avenida Paulista, no ano passado. Ele também é responsável pelo site CicloBR focado em ciclismo urbano e fonte para diversos meios de comunicação quando o assunto é bicicleta. André começou há pouco a escrever às terças-feiras para o jornal Destak. Próximo projeto: criar um instituto para promover deslocamento sustentáveis nas cidades brasileiras. A entrevista (realizada em 28 de setembro, graças à telefonia em banda larga) gira em torno do cicloativismo e da controversa relação com a CET em São Paulo. Confira.

Desde quando você é ciclista?
Pedalo desde 1993. Um amigo que fazia passeios nos finais de semana me ajudou a comprar uma bicicleta. Começamos a andar num raio de 30 ou 40 quilômetros de São Paulo, na região do ABC. Para me preparar melhor para essas viagens, comecei a fazer o percurso casa-trabalho duas ou três vezes por semana também de bicicleta. Depois comecei a fazer viagens beirando o rio Tietê. Hoje moro a 20 km do centro. Toda vez que saio de casa rodo 50 km com a bicicleta.

E desde quando você é um cicloativista?
Em 2004 entrei para o grupo de trabalho de bicicletas da ANTP. Foi nessa época que comecei a ter contato com ativistas mais antigos e com participantes da Bicicletada. Antes, não era apaixonado por carro, mas achava que o carro era algo que as pessoas deveriam ter. O cicloativismo condena a preferência pelo carro.
Caiu a ficha quando percebi que eu mesmo dava o exemplo. Pelo site CicloBR (que surgiu como site de cicloturismo em 2001 para documentar as viagens de bicicletas que fazia), tenho contato com muitas pessoas. Uma vez, um médico de Pouso Alegre (MG) me escreveu agradecendo. Ele recomendava mais atividade física a seus pacientes, mas fazia seu trajeto de dois quilômetros, de sua casa ao consultório, de carro. Ele começou a pedalar por causa dos textos que questionavam a dependência ao automóvel. Eu tinha conseguido influenciar o médico.
Inclusive acho legal o termo “cicloativismo”. Defendo a mobilidade sustentável, mas defendo muito a bicicleta. A bicicleta aponta uma solução e é uma bela ferramenta para mudança cultural na cidade. Ela humaniza e, no final, vai beneficiar o pedestre.

Em comparação com outras cidades, pedalar em São Paulo requer algo especial?
Já pedalei em Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro, Sorocaba... Posso dizer que, para o ciclista, São Paulo são duas cidades. No centro expandido, há mais respeito, o índice de acidentes é menor. Na periferia é bem mais perigoso. Por quê? Porque onde há mais congestionamento é mais seguro. Carro parado e poste não machucam ninguém. Por isso, eu me sinto mais seguro quando cruzo a fronteira do centro expandido. O Rio de Janeiro tem ciclovia na orla. Mas saindo de lá, é horrível. Mesmo em Curitiba, eu tinha de andar na mesma velocidade do carro para me dar bem.

Qual o melhor momento para começar a andar de bicicleta em São Paulo? Ainda quando criança ou já adulto, quando se tem mais consciência dos perigos da cidade?
Ontem levei meu filho de três anos para a ciclofaixa (foto). Já pedalei com crianças de dez a doze anos. Acho que, primeiro, o ciclista ou o responsável tem que ter conhecimento do trânsito e das condições em que se pedala. É importante conhecer as leis de trânsito, trocar experiência com amigos, pesquisar na internet. O melhor caminho é procurar fazer amizade com ciclistas com alguma experiência. Acho importante que todos os motoristas pedalem para sentir o que os ciclistas sentem.

Cicloativistas dizem participar de uma rede horizontal, aberta, não hierárquica. Como funciona essa rede, na prática?
Horizontal, aberta e não hierárquica é a Bicicletada, o encontro de ciclistas – inclusive iniciantes – que acontece toda última sexta-feira do mês e que atrai, em São Paulo, cerca de 500 pessoas. Mais de trezentas pessoas acompanham e cem participam ativamente do grupo de discussão da Bicicletada. O site é mantido por alguns ciclistas, reconheço que as discussões são moderadas... Já os cicloativistas, no geral, não são organizados. Nesse momento, há uma busca por mais organização. Está sendo formada a Associação dos Ciclistas de São Paulo, uma organização inspirada no modelo da Bicicletada. Porque, no final das contas, alguém tem que responder oficialmente por ações junto ao Ministério Público, junto à Prefeitura... O movimento precisa de lideranças e do reconhecimento de responsabilidades. Agora estou o transformando o CicloBR em um instituto de deslocamento sustentável. Cicloativismo envolve um trabalho educativo. Não é só atirar pedra que vai resolver.

Os cicloativistas andam costantemente no limiar da legalidade: instalam placas clandestinas, pintam faixas sem ter oficialmente essa incumbência, despem-se inteiramente para protestar... O caminho de buscar soluções pelo diálogo está esgotado?
Em hipótese alguma. Mas é necessário deixar claro que existem muitas coisas ilegais. Não se pode construir ponte ou avenida sem ciclovia e sem atentar à segurança de todos. Pintar uma faixa que o poder público deveria pintar não é tão ilegal assim. Atitudes como essa até ajudam pessoas no poder público que são a favor de um transporte mais humano. No fundo, pode até ser ilegal, mas salva vidas. Onde o símbolo da bicicleta está pintado no chão não ocorre acidente. É algo que a prefeitura deveria fazer.

Você já pagou a multa que a CET enviou no ano passado?
Claro que não. Na verdade, a cancelou a multa. Já pedi um comprovante formal do cancelamento, mas eles ainda não enviaram. No Brasil, não há uma definição de obscenidade. Se eu fosse para a Justiça, dificilmente seria condenado. A lei é de 1940 e alguns juízes nem consideram mais crime ficar pelado como forma de protesto. Além disso, havia outras pessoas nuas em minha volta. Mas a polícia achou que eu era o organizador de um evento. Dias antes, havia respondido um e-mail da polícia. No World Naked Bike Ride de 2008, eu estava lá, mas nem iria tirar a roupa. Só que todo mundo começou a tirar a roupa. A polícia não esperava isso. Então o que fez a polícia? Prendeu um suposto organizador para quebrar o movimento. Foi uma questão de metros entre eu ter tirado a tanga e ter recebido a voz de prisão. Nesse ano, os policiais estavam muito mais preparados para oprimir qualquer nudez. Mas os ciclistas combinaram se dispersar na Avenida Paulista e se reencontrar em frente ao Monumento das Bandeiras, despistando a polícia. A partir de lá, os ciclistas conseguiram tirar a roupa e seguiram pedalando pela cidade.

Aliás, como vai o relacionamento dos ciclistas com a CET atualmente?
As condições para o ciclismo em São Paulo não são desenvolvidas por causa da CET. A CET não quer motivar as pessoas a usar a bicicleta. Não sei por quê. Mas se quisesse, poderia desenvolver com maestria. Tecnicamente eles são muito bons. Agora querem fazer mais 40 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas na cidade. Pegaram a Pesquisa Origem-Destino e identificaram as regiões com mais deslocamentos de ciclistas. Lá farão ciclofaixas. Eu discordo desse método. Deveriam levar em conta os acidentes envolvendo ciclistas. Afinal, as ciclovias vão provocar um aumento do fluxo de ciclistas. Mas ao final da ciclovia, os ciclistas terão de encarar o trânsito junto com os motoristas. É aí que o risco de acidentes pode aumentar. Tenho a esperança de que um corpo técnico especializado construa ciclovias na cidade inteira. Também na operação das ciclofaixas, a CET mostra sua filosofia de priorizar a fluidez. Já vi a CET, nos acessos à Marginal do Pinheiros, multando condutores de automóvel por desrespeito ao rodízio, mas deixando de ajudar o pedestre a atravessar a rua. Aliás, os marronzinhos recebem ordens até para abrir mão de multar para assegurar a fluidez aos carros. Essa filosofia prejudica demais os ciclistas, porque quanto mais rápidos os carros, mais inseguro fica o trânsito para os ciclistas. Apenas algumas pessoas na CET são contra essa adoração ao fluxo. Precisamos de gente dentro da administração para defender a bicicleta. Precisamos de um “departamento de bicicletas” dentro da secretaria dos transportes. Gostaria que a prefeitura apresentasse um plano para o transporte cicloviário e investisse em campanhas de educação.

Você já experimentou as ciclofaixas aos domingos?
Duas vezes, apesar da chuva. Lá encontrei monitores da Secretaria Municipal de Esportes e não dos Transportes e nem agentes da CET. Parece até que a CET está incomodada com a ciclofaixa. E também vi motoristas jogando os carros para cima de um ciclista, assim que a ciclofaixa estava desbloqueada para o trânsito de automóveis. Estou com medo de que, com as ciclofaixas, aumente o número de agressões contra ciclistas.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Para que mídias ambientais?

Por Carlos Tautz

Mídias jornalísticas inteiramente dedicadas a assuntos sócio-ambientais são viáveis do ponto de vista econômico, independentemente de sua importância para a discussão de assuntos vitais para a humanidade? Há interesse dos leitores/ouvintes/espectadores que justifique a existência de jornais, revistas, programas de tevê, de rádio e sites de informações sócio-ambientais? Anunciantes estão dispostos a sustentar publicações que eventualmente farão uma cobertura crítica em relação aos prontos veiculados nos espaços comerciais? Ou será que os jornalistas dedicados a cobrir o desenvolvimento precisam imaginar outro tipo de financiamento para as mídias ambientais, para além do mercado publicitário convencional, sob pena de não encontrarem outro caminho para suas publicações que não a bancarrota?


Pela segunda vez, sempre organizados pelo Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS), estes debates acontecerão no Fórum Social Mundial. A oficina "Estratégias de Sobrevivência para as Mídias Ambientais" acontecerá no dia 28, tentando, como diz o coordenador do NEJ-RS, Juarez Tosi, "avançar para propostas concretas".

Vão tentar elucidar o problema o próprio Juarez Tosi, João Batista Aguiar, um dos editores da EcoAgência Solidária de Notícias Ambientais (lançada no FSM de há dois anos), Adalberto Marcondes, editor pela recém-lançada revista e diretor da Ecomídias (uma associação de pequenos (em tiragem) veículos sócio-ambientais e membro da Rede Paulista de Jornalismo Ambiental, André Muggiati, assessor de imprensa do Greenpeace Amazônia, e Aldem Bourscheit, assessor de imprensa do Ministério do Meio Ambiente.

Pessoalmente, as chamadas mídias ambientais permanecem necessárias. Em primeiro lugar, são elas, e não os veículos de interesse geral, que são capazes de fazer o debate aprofundado dos problemas e alternativas sócio-ambientais e que terminam pautando a boa cobertura de publicações de maior tiragem e audiência. A chamada imprensa grande tem um tempo e uma dinâmica diferentes das necessidades impostas pelas funções educativa e informativa dos veículos dedicados ao tema sócio-ambiental, que não são espremidos pela necessidade de espetacularização da notícia, que é boa para vender jornal mas incapaz de prover uma boa explicação.

Dois grandes obstáculos se colocam às mídias ambientais e aqui não vou citar nenhuma delas, para não correr o perigo da omissão e injustiça. O primeiro obstáculo é a forma pouco criativa, envolvente e atraente como, regra geral, todos os temas são tratados na imprensa especializada. Em média, o tratamento que uma informação nesses veículos foca o seu aspecto educativo e se preocupa menos com o gancho jornalístico que expõe ao público a sua relevância. Angaria, assim, muito menos atenção do que merece.

As mídias ambientais também pecam pela sua pouca estruturação administrativa e comercial, o que talvez seja fruto de um impulso inicial no sentido de, mais uma vez, educar o público. Esse movimento, extremamente louvável, acaba, assim, mascarando o imperativo, elementar, para a continuidade de qualquer negócio seja ele de
finalidade lucrativa ou não: a construção das bases de sustentação econômica e financeira.

A esses dois problemas, específicos, alia-se outro, que igualmente atinge as empresas de comunicação de todo o mundo. Seus esquemas de financiamento (legalmente, só pode haver dois: venda de espaço publicitário e venda de assinaturas) são insuficientes para sustentar a atividade da imprensa, porque, nos últimos 10 anos, mais ou menos, tanto a internet como fonte concorrente de informação desenvolveu-se muito quanto os anunciantes encontram outras mídias mais eficazes para a veiculação de suas informações publicitárias. Mídias não-jornalísticas e, portanto, não-questionadoras das informações que veiculam.

É uma tarefa dessa importância, e dessa dificuldade, que os debatedores
no FSM terão pela frente.

(*) Jornalista

(Agência Envolverde)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A “gritometria” como ferramenta de participação do leitor

Por Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa

A página Nós e Você: Já são dois gritando está desbravando um território ainda pouco explorado na imprensa brasileira. A proposta das organizações Globo de abrir canais de participação para o público é uma das raras iniciativas das indústrias brasileiras da comunicação voltadas para a valorização do consumidor de informações, seja o leitor, ouvinte, espectador ou internauta.

É claro que o conglomerado global procura ocupar espaços no ambiente Web e usa eficientemente o marketing crossmídia, ao divulgar a iniciativa pelos seus jornais impressos, rádios, televisões e sites noticiosos na Web. Mas é inegável que o Dois Gritando também contribui para que as pessoas em geral comecem a se acostumar com a nova participação interativa.

O site marca a segunda etapa de campanha “Muito além do papel de um jornal”, por meio da qual as Organizações Globo procuram desvincular-se da percepção pública que a associa ao jornal e à TV Globo para posicionar-se como prestadora de serviços de informação voltados para as necessidades diretas da população.

O Dois Gritando foca nas preocupações da população carioca, oferecendo um cardápio de 35 temas sobre os quais os visitantes do site podem postar comentários com até 900 caracteres. Cada comentário, por sua vez, é avaliado por outros visitantes que podem concordar ou discordar.

No dia 28/9, o cardápio apontava o tema corrupção como o mais acessado, com 891 comentários. Em segundo lugar vinha a violência do crime organizado com 295 referências distribuídas entre itens como arrastões, assaltos, balas perdidas e milícias. A saúde pública foi o terceiro tema a receber mais comentários, com um total de 294, seguindo-se a morosidade da justiça (233) e a educação pública (211).

A relação dos temas que mais despertam a atenção do público não tem nenhuma novidade porque ela está presente em todas as pesquisas de opinião realizadas nos últimos 10 anos. O que chama a atenção é a relevância adquirida pela corrupção e a irritação, que várias vezes se transforma em raiva contida, nos comentários de internautas.

Tentei saber se os comentários do Dois Gritando são submetidos a uma filtragem previa antes de serem publicados mas não consegui a informação desejada até a publicação deste texto. Mas vou continuar pesquisando porque é muito provável que exista alguma forma de monitoramento, porque o público do site parece muito comportado, contrastando com as opiniões, em especial sobre corrupção, expressadas em blogs que não monitoram comentários.

O site incorpora um componente lúdico ao dar a seus visitantes a possibilidade de medir o seu grito de protesto, usando a voz e o microfone do seu computador. Seria ótimo se a gente pudesse ouvir os gritos que foram dados. Uma verdadeira catarse. A página permite a participação do público por meio de mensagens Twitter.

O projeto Dois Gritando funciona em estreita ligação com o Eu Repórter , que é a página de jornalismo cidadão do conglomerado Globo. Com isto a maior corporação midiática do país largar na frente de todos os demais grupos nacionais da indústria da comunicação em matéria de buscar uma reaproximação com os leitores, ouvintes e espectadores.

A iniciativa global ajuda a criar uma maior consciência pública sobre a participação cidadã na produção de informações. Mas vai ser interessante observar até onde ela está disposta a bancar esta proposta, porque estamos nos aproximando de um período eleitoral onde as opiniões dos eleitores tendem a uma polarização.

O conglomerado Globo tem posições políticas e eleitorais bem definidas. Se ele tentar bloquear posicionamentos diferentes, certamente haverá uma forte resistência do público e a reaproximação com o leitor pode ir por água abaixo. É o risco que correm tanto os sites de empresas jornalísticas como os blogs individuais, quando entram em rota de colisão com os seus
visitantes.