segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Teor de enxofre no diesel: É um lixo só, artigo de Miriam Leitão

Um absurdo acontece nos nossos narizes. Quando respiramos nas grandes cidades, inalamos enxofre expelido pelos combustíveis, principalmente o diesel.
Nos Estados Unidos, Europa, Taiwan e México, o teor de enxofre no diesel já caiu. No Brasil, há sete anos, uma resolução determinou a limpeza do combustível. A Petrobras garantiu que vai cumpri-la em 2009. Não cumprir tem custo financeiro e em vidas humanas.

A resolução 315 do Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 2002, estabeleceu que o diesel brasileiro teria que ter 50 partes de enxofre por milhão.

Este é um movimento mundial e, comparado ao produto de outros países, o nosso é um lixo só. Nos Estados Unidos, há anos, já foi atingido o nível de 50 partes por milhão (ppm).

Agora se busca a meta de 15 partes por milhão. Na Europa, a meta hoje é de 10 ppm. No Brasil, o diesel tem 500 partes de enxofre por milhão nas grandes cidades e 2.000 no interior do país. A gasolina tem 1.000 ppm. Porém o diesel preocupa mais porque é um composto mais pesado; as partículas emitidas são mais danosas à saúde humana.

Se a regulação do Conama, enfim, entrar em vigor no ano que vem, o nível de enxofre cairá para 50 ppm tanto no diesel das grandes cidades quanto no do interior.

Mesmo quando chegarmos lá, estaremos atrás do México, que hoje são 50 ppm e, no ano que vem, vai para 15. Taiwan chegou aos 50 ppm há 4 anos. No Canadá, que tem um petróleo pesado, eram 340 ppm, hoje são 30. São vários os países grandes e médios que já vêm atingindo níveis cada vez menos nocivos.

Este caso contém os sinais de vários defeitos do Brasil: o excessivo poder da Petrobras; a ineficiência dos órgãos regulatórios, principalmente da ANP; o descaso com a saúde do cidadão; o lobby da indústria automobilística.

O Conama deu um enorme prazo para que a sua determinação fosse cumprida, mas a Agência Nacional do Petróleo, que teria de informar as especificações técnicas dos combustíveis, deixou o tempo correr. Só em outubro e, após muita pressão de entidades como o movimento Nossa São Paulo, OAB, Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, entre outros, divulgou as especificações.

Começou então um movimento para adiamento da entrada em vigor da resolução, marcada para janeiro de 2009. Ou, pelo menos, para uma implantação gradual.

As entidades reagiram.

O Ministério do Meio Ambiente avisou que não vai aceitar adiamentos. Na sexta-feira mesmo, o ministro Carlos Minc reiterou isso, dizendo que exigirá compensações da Petrobras e da Anfavea caso elas não cumpram o prazo. Procurada pela coluna, a Petrobras garantiu, também na sexta-feira, por escrito, que “a Companhia vai fornecer o diesel 50 ppm a ser utilizado pelos veículos com tecnologia P-6 da resolução 315. Este produto já está inclusive disponibilizado pela companhia para testes por parte da indústria automobilística”.

Este diesel cheio de enxofre é o principal culpado pela poluição gerada pelo trânsito. A poluição causa várias doenças respiratórias e até câncer de pulmão; 5% dos casos são causados pela poluição. No mundo, 2 milhões de pessoas morrem por ano com doenças decorrentes da poluição do ar.

O professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, coordena um levantamento que mede a incidência de poluição em grandes cidades: Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Segundo ele, o monitoramento era muito falho, o que faz com que se argumente, muitas vezes, que só São Paulo e Rio têm problemas com a poluição: — Todas essas cidades em que fizemos a pesquisa estão com níveis acima do que é recomendado mundialmente.

Apenas Recife está só um pouco mais alto.

O professor fez uma conta considerando a população economicamente ativa, entre 20 e 60 anos, na região metropolitana de São Paulo; ele chegou a um custo de US$ 1,5 bilhão, por ano, por causa de problemas decorrentes da poluição. Ainda que só 10% da frota sejam a diesel, esse combustível é o responsável por 50% das emissões do material particulado fino, que forma a fumaça preta, que é um dos maiores responsáveis por mortes e doenças respiratórias do país. De acordo com Paulo Saldiva, a poluição é a causa de cerca de 400 mortes por ano só na cidade de São Paulo.

O professor Roberto Schaeffer, da Coppe, pondera que o problema da poluição não é apenas o diesel nos ônibus e caminhões. O carvão como fonte de energia emite muito enxofre. É uma importante parte da matriz energética da Europa, da China e da Índia: — O mais importante é a concentração de poluente no ar. O Brasil hoje é relativamente menos poluído devido à matriz energética.

Quem respira o ar de São Paulo dificilmente concordaria com isso. Não precisa ser especialista em saúde para saber que respirar enxofre provoca vários danos aos seres humanos. Não precisa ser economista para saber que isso representa maior custo fiscal, pelo impacto na Saúde. Não precisa ser especialista em regulação para saber que alguma coisa está errada num país em que a determinação de um conselho ambiental feita com tanta antecedência precisa da pressão da sociedade civil, dos especialistas, dos ambientalistas, para que se tenha esperança de que ela será cumprida.

A Petrobras, em sua nota, disse que vem retirando gradativamente o teor de enxofre do diesel e da gasolina desde o começo dos anos 90 e garante que investiu US$ 1,6 bilhão de 2000 a 2007 para melhorar a qualidade dos combustíveis.

Não há razão para novos adiamentos, a tecnologia de redução de enxofre já está dominada e é um imperativo de saúde pública.

Artigo originalmente publicado no Painel Econômico, do O Globo, 03/08/2008

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Informação para a sociedade

por Dal Marcondes

Participo de diversas redes de comunicação, e uma delas é a Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais. Esta rede, que está completando 10 anos, reúne jornalistas e estudantes de comunicação que atuam com pautas ambientais em todo o Brasil, além de ter alguns observadores internacionais. Creio que os profissionais que atuam com as pautas mais relevantes em termos ambientais estão inscritos na RBJA, atualmente são cerca de 500. Muitas das mais importantes denúncias e reflexões sobre a cobertura da mídia sobre meio ambiente no Brasil e no mundo passou por esta rede, que funciona em um sistema de grupos do Yahoo.

Nos últimos tempos os debates têm se concentrado no formato de financiamento de informações sobre meio ambiente para a sociedade. Existe certo consenso de que as transformações nas relações de produção e consumo, necessárias para a construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente menos agressivo, passam pela informação que sociedade recebe sobre os impactos causados pelo atual modelo, e pela difusão de alternativas de boas práticas. Desta forma cidadãos/consumidores podem decidir de forma mais elaborada suas opções de participação e consumo.

A sociedade precisa de informações para perceber quais são os desafios e empreender no caminho da sustentabilidade. Contudo, se os desafios não são colocados pela mídia, não haverá reação. Afinal, não se pode enfrentar obstáculos desconhecidos. De uma forma geral a mídia brasileira está publicando mais matérias sobre meio ambiente, no entanto, a pauta ainda é focada em temas pontuais. Tem matérias sobre os índices de desmatamento da Amazônia, sobre acidentes ambientais e alguma coisa voltada para a educação ambiental de forma lúdica.

Poucos são os veículos de comunicação que trabalham a informação de forma coerente dentro de paradigmas de sustentabilidade. Isto quer dizer um olhar sobre a notícia que leve em conta o respeito ao meio ambiente, a responsabilidade social e o desempenho econômico. Estas poucas mídias precisam de recursos para manter equipe, pagar gráfica e manter uma estrutura empresarial que a mantenha como uma opção informativa para a sociedade. Desde o início dos anos 90 várias mídias surgiram com este propósito. Muitas não conseguiram sobreviver e algumas ainda estão ai trabalhando os mesmos desafios para se manter desde a sua fundação. A maior parte das mídias chamadas “ambientais” são feitas por profissionais de destaque no campo do jornalismo e não por pessoas que não conseguiram vencer em outras áreas. Exemplos disso são Vilmar Berna, editor da Revista e do Portal do Meio Ambiente, Lúcia Chaib e Renné Capriles, editores da Eco 21, Cecy Oliveira, editora do Portal Água on line, Hiram Firmino, editor do JB Ecológico e muitos outros colegas.

Apesar dos diferentes modelos editoriais, os desafios de financiar a atividade são os mesmos, não há recursos financeiros suficientes para que estas mídias galguem um espaço de destaque, com alcance suficiente para debater nacionalmente os paradigmas de produção e consumo. Mídias não são transformadoras por si, mas são capazes de oferecer as informações e conhecimentos necessários para que a sociedade reflita sobre suas escolhas.

Não há no Brasil nenhuma discussão relevante sobre modelos de financiamento à informação para a sociedade. Quem paga jornais, revistas, TVs e internet é o mercado publicitário, sem nenhum (ou pouco) juízo de valor sobre que tipo de informação está financiando para a sociedade. Nem ao menos as verbas publicitárias de organismos de governo são utilizadas com uma avaliação sobre os conteúdos das mídias onde publicam seus anúncios. O que de fato existe é um comércio de público. As agências de publicidade compram público em uma relação de “custo por mil”. As mídias convencionais sabem disso e, portanto, trabalham com o tipo de informação que maximize seu público.

Até agora não há novidade no que estou dizendo. Mas, quando jornalistas que cobrem pautas ambientais começam a questionar o modelo publicitário para o financiamento das atividades das mídias que atuam com pautas ambientais e de sustentabilidade, levantando supostos “conflitos de interesse”, é sinal de que está na hora de estudar como manter estas publicações.

Alguns itens merecem reflexão:

• Nenhuma mídia no Brasil jamais conseguiu se manter apenas com assinaturas e vendas em bancas.

• Jornalismo, seja ambiental ou pela sustentabilidade, é atividade profissional e deve ser remunerada.

• A produção de jornalismo de boa qualidade envolve custos.

• O Brasil registra avanços na gestão ambiental e as mídias ambientais têm uma contribuição importante para isso.

• Não ter mídias ambientais seria um retrocesso da sociedade

Então, como fazer? Desde que comecei a atuar em jornalismo, no início dos anos 80 do século passado, aprendi que existem basicamente dois tipos de pautas jornalísticas:

• A pauta sobre coisas que o público deseja;

• A pauta sobre coisas que o público precisa saber;

Estas duas pautas têm papéis diferentes na formação de uma sociedade. A primeira está ligada ao entretenimento, à cultura, esportes, lazer etc. A segunda tem uma relação direta com a construção da cidadania, com a estruturarão de política públicas e com a necessidade de difundir-se conceitos nem sempre fáceis de se transmitir.

Bom, trabalhar com pautas ambientais está mais para a segunda opção, aquela que elege a informação necessária para a sociedade como mote principal de pauta. Isto quer dizer, principalmente, que muita gente não vai ler, ver ou ouvir. Isto não significa, no entanto, que não sejam pautas fundamentais para a sociedade.

Os debates que estão ocorrendo na RBJA mostram que o Brasil precisa ir mais longe na discussão de que País pretende ser. Há distintos modelos de mídias, cada uma com um papel diferente na formação da sociedade e as mídias que atuam com temas de alta especialização precisam de um modelo próprio de financiamento. Isto engloba o jornalismo científico, o ambiental, o de cidadania, o étnico e muitos outros.

O exercício profissional do jornalismo de qualidade exige recursos financeiros. Por enquanto os únicos disponíveis vêm da publicidade. Mas não precisa ser assim para sempre. (Envolverde)