terça-feira, 21 de outubro de 2008

Lições para uma comunicação sustentável

Por Ricardo Voltolini, da Revista Idéia Socioambiental

Fechando o ciclo de artigos sobre a comunicação da sustentabilidade, feito com base na análise da experiência de diversos países, é possível estabelecer a seguinte conclusão geral: a soma de consumidores mais críticos, mídia mais vigilante, investidores engajados, leis mais restritivas e auto-regulação crescente representa um risco em potencial para empresas que querem utilizar o atributo sustentável em sua comunicação. Ao mesmo tempo, pode significar também uma oportunidade.

A diferença entre um e outro extremo está no foco. Se a sustentabilidade for apenas um artifício de imagem (sem correspondência efetiva com a visão de negócios), ao qual a empresa recorre pontualmente para obter o bônus da simpatia pública sem o ônus da mudança de práticas, então ela terá que se preocupar – e muito – em “proteger” a marca contra a pressão de consumidores cada dia mais críticos e desconfiados. Se por outro lado, a empresa insere a sustentabilidade em sua estratégia e incorpora genuinamente os seus valores no modo de pensar e fazer negócios, ela certamente poderá adotá-la como elemento na construção de sua marca, usando a seu favor a crescente valorização do tema entre as pessoas de todo o mundo.

Em síntese, o que define, portanto, quanto de risco e de oportunidade há no uso da sustentabilidade para a comunicação da marca é a intensidade do compromisso e o nível de verdade nas práticas. Quanto mais claras e perceptíveis as incoerências, maiores os riscos. Quanto mais autêntica é a incorporação do tema na cultura da companhia, maiores as oportunidades. Simples assim.

Menos simples, no entanto, parece ser a tarefa de comunicar a sustentabilidade. Em todo o mundo, empresas e planejadores de comunicação enfrentam desafios que vão desde a escolha de conteúdos relevantes até as formas mais eficazes de transmitir as mensagens. Nesse terreno arenoso, a experimentação tem sido a regra. Olhando para a experiência internacional, a partir da leitura de estudos e guidelines, pode-se extrair oito lições gerais, muito úteis para quem deseja comunicar melhor a sustentabilidade. São elas:

(1) Senso comum importa sim - Antes de elaborar belos discursos, com palavras bonitas, os comunicadores deveriam avaliar o quanto os seus públicos conhecem o tema e como falam sobre ele. Uma organização internacional, chamada Futerra, deu-se ao trabalho de pesquisar a eficácia da linguagem da comunicação sustentável. E acabou elencando um conjunto de termos verdes (simpáticos e compreensíveis), amarelos (podem funcionar, mas ainda não se mostraram efetivos) e vermelhos (desagradáveis e facilmente mal interpretados). Não seria má idéia fazer o mesmo por aqui. Comunicação, já se sabe, não é o que se diz, mas o que se entende. Compreensão é mais importante do que qualquer rigorismo técnico.

(2) Sem culpa, porque culpa coloca para baixo – A sustentabilidade prega a escassez em um mundo cujo modelo mental predominante é o da abundância. Se as empresas quiserem emular mudanças de comportamento em nome de um novo tipo de desenvolvimento, devem evitar profecias catastrofistas, palavras acusadoras, termos inquisitórios. As pessoas não devem se sentir culpadas pelo problema das mudanças climáticas, mas co-responsáveis por sua solução. Humor ajuda. Otimismo é fundamental.

(3) “Nós” e “Você” – A sustentabilidade do planeta não é problema do outro, mas de todos nós. Boas mensagens são, portanto, as que adotam um tom inclusivo, próximo, leve, pessoal e humano. São as que nos tornam cúmplices do mesmo processo de mudança.

(4) Sustentabilidade é legal – Houve um tempo em que era tema exclusivo de ambientalistas. Hoje é preocupação mundial. Mas como a sustentabilidade prega a restrição, corre-se o risco de que suas mensagens (até as mais bem intencionadas) ou sejam metafóricas demais ou engajadas demais. O limite entre o engajado e o chato é tênue. Daí ter-se algum cuidado. A sustentabilidade só vai se espalhar como idéia se for vista como algo atraente, divertido, charmoso e associado a sucesso.

(5) Ser confiável – Se desejarem produzir confiança em consumidores cada dia mais desconfiados, as empresas que se utilizarem do discurso da sustentabilidade terão de ancorá-lo em fatos e evidências comprováveis. Do contrário, darão tiros no próprio pé.

(6) Contar histórias – Histórias geram empatia e despertam emoções poderosas. Em um mundo bombardeado por narrativas de toda espécie, as que tratam da sustentabilidade podem ter também o seu lugar de destaque se forem bem urdidas e bem contadas. Devem estar na boca de líderes de empresas, governos e organizações da sociedade civil. Líderes apaixonados.

(7) Heróis são importantes – Em escala mundial, a sustentabilidade ainda não fabricou grandes heróis. Ter em quem se inspirar ou a quem seguir, por convicção e crença, ajuda na comunicação da sustentabilidade. Heróis são mitos. E mitos estão impregnados na experiência humana. Empresas, comunidades, estados e países devem forjar os seus heróis da sustentabilidade.

(8) Grande quadro – A sustentabilidade é um dos mais importantes compromissos humanos deste início de século. Tem a ver com cada indivíduo e também com o coletivo de todos os indivíduos do planeta. Trata-se de uma grande revisão mundial de valores, práticas e comportamentos. Por isso, qualquer ação de comunicação deve explorar essas conexões, apresentar pensamentos no longo prazo e mostrar que o futuro começa agora.


* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentavel.com.br

Leia Ricardo Voltolini todas as quartas-feiras aqui na Envolverde.


(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)

Sustentabilidade na mídia: é preciso ter boas pautas

Por Silvia FM*, para a Envolverde

Há espaço para a pauta ambiental, o que é preciso é ter boas pautas. “Dá pra vender muito bem”, afirma Eduardo Acquarone, editor dos Programas Fantástico, Profissão Repórter e criador do site Globo Amazônia da Rede Globo de Televisão. Depois de pouco mais de um mês de funcionamento, o site registrou o acesso de 30 milhões de internautas que hoje monitoram o desmatamento do bioma. A atração é o mapa interativo, atualizado até seis vezes por dia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Acquarone conta que ele mesmo achava que a Globo não iria comprar essa briga, de denunciar o avanço da soja e da pecuária na Amazônia. Mas para sua surpresa, a empresa não só comprou a idéia – que teve o dedo de uma amiga militante do Greenpeace – como pretende ampliar os serviços do site e a cobertura ambiental no ano que vem.

Essas foram algumas das revelações da mesa redonda Sustentabilidade na Mídia, moderada pelo jornalista Vilmar Berna, no primeiro dia do Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade, hoje (16/10), no hotel Jaraguá no centro de São Paulo. Acquarone relata que não foi a empresa que se opôs, mas os próprios colegas da produção que precisaram ser convencidos da importância do assunto. Ele teve que explicar o que significava questões como a invasão de soja perto de Santarém, no Pará. E Acquarone conseguiu mostrar para a equipe e montar a matéria em conjunto com o Greenpeace. Resultado: uma matéria de 10 minutos flagrando a guerra dos ambientalistas com os grandes plantadores, que simplesmente chegam no meio da floresta, desmatam e espalham sementes de soja. Segundo o Greenpeace, 40% dessa soja é exportada para Europa, serve de ração para frango confinado. O produto sai da região pelo porto da Cargill.

E toda essa história foi contada em pleno horário nobre da Globo. O jornalista, que diz não ser ambientalista, lembra que o grande problema das redações é a falta de pauta. Só se trabalha as pautas quando o resultado é garantido. E a líder de audiência está constando, pelo Ibope, que a cobertura da situação da Amazônia vale a pena, mesmo sendo muito cara. “Só o aluguel de um monomotor sai 30 mil reais”, comenta.

Avaliação

Já Luciano Martins Costa, editor do Observatório da Imprensa, que analisa há oito anos a cobertura de imprensa, inclusive com um programa na Rádio Cultura, Rede Brasil e Rede Inconfidência, assegura que a imprensa está muito atrasada com relação à cobertura dos temas envolvendo a sustentabilidade. Ele conta um caso citado por uma jornalista da revista Época durante um evento da área. Ela revelou que se sentia participando de movimentos de vanguarda, mas se sentina recuando 10 anos quando voltava para a redação. “Na verdade, o retrocesso é de 20, 30 anos”, acredita Martins Costa. Ele recorda dos tempos do jornal “Estado de Alerta”, quando era enxotado das vilas Natal e Socó em Cubatão, por seguranças da Petrobras. E hoje a empresa vem mostrando o que tem feito pelo bem do ambiente, comenta.

Para Martins Costa, a imprensa não percebeu a evolução dos tempos, que hoje a questão da sustentabilidade não é assunto só de ecologista. Ele entende que o jornalista precisa vivenciar mais a importância do seu papel social na sociedade. Na sua avaliação, falta na maior parte dos profissionais da imprensa uma estrutura de valores que dê significado à profissão. “Acompanhei todos os processos de modernização dos jornais de São Paulo, a troca de profissionais mais experientes por menos experientes” comenta. Como resultado, as redações ficaram dominadas pelo perfil “Yes man e Yes woman”, menos crítico. Ele conclui que os editores hoje estão mais preocupados com o status do emprego, assumindo uma posição conservadora e resistindo a discutir os sistemas.

E o jornalista que já passou pelas redações da Folha de S. Paulo, do Estadão e da Veja aponta que a própria questão da sustentabilidade vem de um longo processo, desde o pós-guerra, passando pelo Clube de Roma, que nos anos 60 propôs a discussão sobre os limites do crescimento econômico, até chegar às atuais questões do aquecimento global e da crise do sistema financeiro.

Joaquín Costanzo, Diretor da IPS para América Latina, começou sua palestra lembrando o desafio da imprensa a manter as pautas da sustentabilidade com o grande assunto do momento: a crise do mercado financeiro. E observa: antes da queda das bolsas se falava que não havia dinheiro para resolver os problemas do aquecimento global. Mas de repente, surgiram três trilhões de dólares dos governos para salvar os bancos. “Há dinheiro para algumas coisas, para outras não”, pontua.

Para Costanzo, a crise ambiental é muito grave, é preciso resolver problemas comuns entre os países. Entretanto, para isso é preciso um jornalismo que faça análise dos fatos, que tenha profundidade. “É preciso tomar partido”, ratifica, para isso é necessário informação com consciência, para haver participação. Ele entende que a realidade da imprensa entre os países da América Latina é muito parecida. São poucas famílias que detém o poder da grande mídia.

Como exemplo, ele menciona o “Terramérica”, um suplemento que é publicado em 20 diários da América Latina (veja no site http://www.envolverde.com.br, às segundas-feiras), que tem uma boa receptividade do público. “É importante a permanência da periodicidade”, complementa.

* Silvia FM é jornalista freelancer e mora em Porto Alegre.

A cobertura do Encontro Latino Americano de Comunicação e Sustentabilidade está sendo feita por uma equipe de jornalistas. A coordenação é de Naná Prado e o material será publicado no site da Envolverde (http://www.envolverde.com.br) e do Mercado Ético (http://www.mercadoetico.com.br).

Crédito de imagem: Clóvis Fabiano


(Agência Envolverde)