terça-feira, 6 de janeiro de 2009

SC: o preço do esquecimento

Publicado originalmente na Revista Amanhã

Há 25 anos, os catarinenses sofreram uma tragédia que gerou forte comoção e um plano que parecia perfeito. Até que...

A dor sentida por Santa Catarina - e também pelo Brasil - com a catástrofe causada pelas chuvas que despencaram sobre o Vale do Itajaí, na última semana de novembro, encontra paralelo 25 anos atrás. Em 1983 e no ano seguinte, o Estado sofreu com duas grandes enchentes que causaram a morte de cerca de 50 pessoas e deixaram desabrigadas outras 200 mil. À época, nascia um plano elaborado conjuntamente pelos governos federal, estadual e municipais para evitar que a natureza voltasse a arrasar a região. A iniciativa previa investimentos em contenção de encostas, desassoreamento de rios - sobretudo o Itajaí-Açu - e normas para a ocupação urbana do solo, entre outras medidas. Mas o que era para ser uma solução não foi adiante. Se colocado em prática, o plano poderia ter evitado pelo menos boa parte das 126 mortes registradas pela Defesa Civil catarinense na tragédia atual. O número, contudo, deve ficar ainda maior porque há, oficialmente, 27 pessoas desaparecidas.

Enquanto a população tenta fazer com que a vida volte ao normal, a economia calcula - ainda de maneira preliminar - os prejuízos causados por perdas de estoques, paradas de produção e fechamento do comércio. Um levantamento inicial do governo estadual, apresentado ao ministro da Fazenda Guido Mantega, aponta um comprometimento de R$ 1 bilhão do PIB em função dos 15 dias de colapso. O porto de Itajaí, que teve três de seus quatro berços de atracação destruídos, ficou inoperante por mais de dez dias. Nesse período, o terminal deixou de movimentar cerca de R$ 800 milhões em mercadorias.

Tamanho desastre poderia ter sido menor. Bem menor. É consenso entre os analistas ouvidos por AMANHÃ que o principal responsável pelas enchentes e pelos deslizamentos de terra é o próprio homem. Um homem imprudente, como adjetiva Adalberto Marcondes, especialista em Ciência Ambiental e diretor de redação da revista digital Envolverde. Marcondes diz que pouco ou nada se aprendeu com os acontecimentos do passado. Em uma crítica direta aos governantes, ele afirma que quando são autorizadas construções em encostas entra em cena o risco iminente de uma tragédia. "O poder público acaba sendo leniente com a ocupação desordenada do solo. Só porque a pessoa já construiu sua casa, não se tira mais ela de lá", pondera. A cobrança encontra eco em Fernando Almeida, presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds): "É preciso uma política pública que impeça a ocupação de áreas inadequadas sob o ponto de vista geológico, mantendo a cobertura vegetal intacta", diz.

O efeito é bem conhecido. Com o crescimento das cidades e a conseqüente urbanização de áreas verdes, várzeas e encostas, o solo acaba ficando mais suscetível a interferências climáticas, e os rios, com menor capacidade de escoamento. Por isso, chuvas fortes podem causar erosões, deslizamentos e desmoronamentos. Marcondes, da Envolverde, lembra que em 1967 o município paulista de Caraguatatuba passou por uma experiência semelhante à dos catarinenses. "Pelas mesmas razões, ou seja, ocupações irregulares, desmatamento de encostas e excesso de chuvas, a cidade praticamente deixou de existir. Os morros da Serra do Mar ficaram líquidos", conta. Fenômeno parecido conseguiu ser abortado em Cubatão, na baixada santista. Quando o governo de São Paulo percebeu que a tragédia teria enormes proporções porque atingiria indústrias químicas, o processo de ocupação de encostas foi revertido a tempo, lembra Marcondes. "Realizou-se um trabalho muito sério de recuperação da mata", relembra.

De galochas na TV

Mas o que é preciso fazer para que outros desastres naturais não tenham a mesma magnitude?Marcondes e Almeida dão a resposta em uníssono: "Novas e eficientes políticas públicas". Para o presidente-executivo do Cebds, o furacão Catarina, que atingiu parte do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina em 2004, revelou a fragilidade do setor público brasileiro quando é necessário agilidade para contornar esse tipo de situação. "Seja em que nível de governo for, foi uma prova de que não estamos preparados para eventos extremos", diz Almeida, com um alerta. "Ainda veremos mais acontecimentos como esses. Temos de fazer algo para evitá-los."

Agir de maneira preventiva é a solução, mesmo que retirar moradores de áreas de risco seja algo malvisto pela população. "Não adianta o político colocar galochas, sair na chuva e aparecer na TV. Precisamos de lideranças que assumam até mesmo medidas impopulares", destaca Almeida. Assim como ele, o diretor da Envolverde chama atenção para os problemas que as enchentes provocam e que vão além das inundações - como o impacto na saúde pública. "Santa Catarina tem um dos menores índices de saneamento básico do Brasil. Com as cheias, isso aumenta a possibilidade de doenças", observa.

Os catarinenses terão de se reinventar. "Não é possível reconstruir como antes. Será preciso rever todo o modelo de gestão de recursos hídricos," salienta Marcondes. Aliás, segundo Marcondes, todas as grandes cidades brasileiras são problemáticas quando o assunto é gestão de recursos hídricos. Para ele, será preciso repensar esse tipo de processo porque o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto - entre outras medidas - têm relação direta com o desenvolvimento e com a qualidade de vida. "Não se podem mais postergar coisas que a gente sabe que resultam em tragédias", finaliza.

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