quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O debate sobre a sustentabilidade na mídia

Nos jornais do dia a dia o que se vê é uma abordagem de extrema superficialidade em relação aos temas inerentes à sustentabilidade. O porque desta cobertura pouco compromissada com a compreensão dos impactos das atividades humanas, principalmente econômicas, na capacidade da Terra em sustentar os bilhões de pessoas do planeta é incompreensível para quase todos os que já conseguiram algum tipo de entendimento sobre os limites da exploração dos recursos naturais.

The future of the internet

A virtual counter-revolution

The internet has been a great unifier of people, companies and online networks. Powerful forces are threatening to balkanise it

A fragmenting virtual world
THE first internet boom, a decade and a half ago, resembled a religious movement. Omnipresent cyber-gurus, often framed by colourful PowerPoint presentations reminiscent of stained glass, prophesied a digital paradise in which not only would commerce be frictionless and growth exponential, but democracy would be direct and the nation-state would no longer exist. One, John-Perry Barlow, even penned “A Declaration of the Independence of Cyberspace”.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

Jornalismo Ambiental: da marginalidade às capas de jornais. Entrevista especial com Dal Marcondes

Por Redação IHU

Nos últimos anos, o conceito de sustentabilidade passou a permear muitos setores da sociedade. Ele evoluiu, principalmente, de um parâmetro utilizado pelas ONGs para indicadores empresariais, como o Índice de Sustentabilidade da Bovespa (ISE), os indicadores Global Reporting Iniciative (GRI), que baliza relatórios empresariais de sustentabilidade, e os indicadores Ethos (do Instituto Ethos), entre outros. No entanto, para Dal Marcondes, são informações e dados complexos que precisam de uma base de conhecimento estruturada, para que não se percam em devaneios ideológicos ou de interpretações sem objetividade.

Na entrevista a seguir, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, o jornalista Dal Marcondes, diretor da Agência Envolverde, fala sobre a importância da informação sobre meio ambiente e sustentabilidade para a estruturação de um modelo de desenvolvimento com compromissos claros em relação ao futuro. “As pessoas ainda têm uma relação muito esquizofrênica com o tema sustentabilidade”, opinou.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Em sua opinião, como a informação pode ser considerada um fator relevante para o desenvolvimento da ideia de sustentabilidade?

Dal Marcondes
– Informação é o fator-chave para a estruturação de uma plataforma de conhecimento capaz de influir sobre decisões estratégicas, seja de empresas, governos ou sociedade. Não é possível fazer a transição para um modelo de desenvolvimento limpo, baseado em novas tecnologias e em uma ciência integrada, sem uma base de informação e conhecimento social, científico e econômico capaz de mostrar caminhos diferentes e consistentes com as necessidades do futuro, e não com os pressupostos e preconceitos do passado.

IHU On-Line – O jornalismo ambiental evoluiu?

Dal Marcondes – Muito. Há dez anos, o jornalismo ambiental era uma comunicação de nicho, focado em pequenos veículos que falavam para muito pouca gente, principalmente iniciados. Hoje, o jornalismo ambiental conta com excelentes veículos especializados, mas, principalmente, está presente em grandes veículos de comunicação com todos os suportes possíveis. É TV, Rádio, jornais e revistas, além do suporte global da Internet. A cobertura ambiental também saiu de páginas marginais dos veículos, como a geral, que disputava espaço com buracos de rua e outras pequenas mazelas para ser estampada nas primeiras páginas e nos cadernos de economia. Houve uma evolução. Ainda pode melhorar muito em qualidade de enfoque, mas já ocupa espaços nobres.

IHU On-Line – O que fez o tema meio ambiente ter mais espaços nas pautas dos grandes meios de comunicação?

Dal Marcondes – Uma pauta ganha destaque a partir do interesse da sociedade. O meio ambiente está aí, as mudanças climáticas, suas tragédias, as empresas falando em sustentabilidade, o mundo cobrando uma postura mais ética e consequente de seus governos em relação aos recursos naturais. Ou seja, meio ambiente é pauta. No entanto, falta uma certa organização nesta cobertura. Ela ainda é muito pontual e sem uma relação direta de causa e efeito. Muitas vezes, os grandes veículos mostram apenas um pedaço tragédia na notícia, sem se dar conta que uma catástrofe tem uma relação de causa e efeito.

IHU On-Line – Qual o perfil de um bom profissional para atuar na área de jornalismo ambiental?

Dal Marcondes – O jornalista ambiental deve ser, antes de tudo, uma pessoa preocupada com o bom jornalismo. Não deve se posicionar como um militante ambiental, pois seu trabalho estaria mais para uma ONG de defesa do meio ambiente do que para informar a sociedade sobre questões relacionadas à multidisciplinaridade da pauta ambiental. Isto é importante porque, muitas vezes, jovens profissionais me procuram indignados porque a mídia não faz seu papel de defender o meio ambiente, e este não é o papel da mídia. Seu principal foco deve ser informar a sociedade com presteza, eficiência e qualidade. Para isto, o jornalista ambiental deve estar preparado para realizar reportagens e investigações que precisam de muito preparo técnico e capacidade de inter-relacionar fatos e dados, de forma a dar ao público as informações necessárias para que a sociedade, as empresas ou o poder público atue.

Portanto, o mais importante para um profissional que queira ser um jornalista ambiental é ser bem formado e bem informado sobre os temas aos quais se propõe a cobrir.

IHU On-Line – Qual é o papel da Envolverde dentro do jornalismo ambiental praticado hoje no Brasil?

Dal Marcondes – A Envolverde é um dos mais antigos espaços de prática do jornalismo ambiental no Brasil. Iniciamos nossa trajetória em 1995, quando fomos procurados pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) para editar no Brasil o Projeto Terramérica, à época um suplemento tablóide para jornais impressos de toda a América Latina. Este projeto existe até hoje, mas nosso grande salto veio com a Internet e com a criação do site www.envolverde.com.br, que entrou no ar em 8 de janeiro de 1998. A partir daí, começamos a ganhar escala de públicos e falar com muito mais gente. Hoje, a Envolverde tem quase 200 mil assinantes que recebem um boletim diário e produz conteúdos para ONGs, empresas e meios de comunicação. Fazemos a Carta Verde, com a revista Carta Capital, produzimos para a Agência Estado e para empresas como Walmart. Também fazemos capacitação de profissionais de comunicação para trabalhar com o tema comunicação ambiental e sustentabilidade através de eventos, seminários e cursos.

IHU On-Line – Como você vê o espaço do Desenvolvimento Sustentável no imaginário social?

Dal Marcondes – As pessoas ainda têm uma relação muito esquizofrênica com o tema sustentabilidade. É só ver o debate que está rolando em relação às mudanças climáticas. Cada lado, a favor ou contra mudar o comportamento de produção e uso de energias, manipula as informações a partir de seu enfoque de interesses. Existe o desejo de viver em um mundo ambientalmente preservado, socialmente responsável e economicamente eficaz. No entanto, pouca gente está disposta a mudar hábitos de consumo, mesmo que isto não signifique alterar sua relação de conforto com o mundo.

(Envolverde/IHU-OnLine)

Os meios de comunicação e a juventude

Por Dal Marcondes

O jovem é público preferencial dos meios de comunicação voltados para o entretenimento. Isto é reforçado pelo mercado publicitário que vê no público jovem um grande potencial de consumo. No entanto, o jovem não é notícia para os meios de comunicação considerados “adultos” ou formadores de opinião, como os grandes jornais ou telejornais de redes. Neste caso o jovem é visto como agente de problemas e conflitos e não como parte substancial da sociedade brasileira.

A sociedade brasileira tem uma certa incapacidade de ver o jovem como uma parcela de sua estrutura. Para a maioria das pessoas, quando o individuo chega aos 18 ou 20 anos, é visto como um adulto e não como um cidadão jovem que tem direitos e necessidades inerentes à sua idade. Sequer sob o ponto de vista econômico existe um olhar conseqüente e responsável de forma generalizada sobre a juventude. E os meios de comunicação não fogem a esta regra. Tratam o jovem em conflito com a lei como “menor infrator”. Se “de maior” passa a ser simplesmente bandido.



A incapacidade da sociedade em absorver o coletivo “juventude”, em contrapartida à superproteção que as classes média e alta querem oferecer aos seus filhos é uma das contradições mais marcantes do nosso tempo. Trabalha-se para oferecer mais educação e melhorar a qualidade desta oferta, mas sem uma conexão muito clara com a realidade. O mercado, formado pelas empresas e organizações que geram e distribuem riquezas, está sempre buscando alternativas mais eficientes e econômicas para otimizar seus ganhos. Enquanto isso não existe uma reflexão sobre os impactos que algumas ações podem causar na juventude.

E os meios de comunicação, que deveriam estar mais preparados para apurar e mostrar estes impactos, em verdade não se dão conta, pois embarcam no discurso da eficiência empresarial. Um exemplo deste processo de otimização de resultados e que afetou, e continua afetando, de forma negativa milhões de jovens, além de tornar-se um problema urbano importante em nossas cidades é a troca que as empresas fizeram dos antigos Office Boys por Motoboys. Esta mudança fechou uma das mais importantes portas de acesso de jovens ao mercado de trabalho, sem nenhuma contrapartida, pois, enquanto os office boys transitavam dentro das empresas, conhecendo secretárias, colegas, gerentes e diretores, os motoboys vão de portaria a portaria, sem conhecer ninguém significativo para uma carreira profissional.

É muito comum entre pessoas mais velhas aqueles que entraram como office boy em uma empresa e cresceram em sua hierarquia. Cabe aos meios de comunicação esta visão mais ampla da realidade, em perspectiva, de forma a oferecer para a sociedade uma reflexão sobre os impactos de suas ações individuais quando transformadas em padrões coletivos. Existem outros exemplos de fechamento de oportunidades de acesso de jovens aos degraus do mercado de trabalho, enquanto não há quase exemplos de novos canais com capacidade de absorver tantos jovens de baixa renda como este. Por outro lado, a “profissão” de motoboy está provocando uma verdadeira chacina nas ruas das grandes cidades, com jovens mutilados e mortos. E ninguém se responsabiliza por isso, a culpa é transferida aos próprios jovens, que precisam trabalhar e não tem alternativa.

Os grandes meios de comunicação têm na educação o seu tema social predileto. Nenhum outro tema social recebe tanta atenção nas páginas de jornais e nas telas da TV. Isso acontece porque existe um consenso social de que a educação é a única alternativa com alguma garantia de transformação social e de promover a mobilidade em uma sociedade com recordes de desigualdade. Mas, mesmo este tema de alta relevância e claramente voltado para a juventude, não tem este link imediato. Para muita gente, jovem é uma coisa, estudante é outra coisa. A condição de estudante coloca o jovem em um outro pano de fundo, a escola. E este universo é distinto do universo da rua.

A incapacidade dos meios de comunicação em oferecer à sociedade um quadro mais claro do que é juventude está expressa na formação dos guetos de percepção. Um sentimento que separa filhos, estudantes, “de menor” e “de maior”. Não consegue uma unificação em uma categoria social chamada Juventude, que tem definições claras sob o ponto de vista sociológico.

A Secretaria Nacional de Juventude, organismo ligado à Presidência da República, caracteriza jovens como as pessoas que têm entre 15 e 24 anos. Portanto, adolescentes e jovens adultos. As muitas juventudes A mesma diversidade que o Brasil tem sob o ponto de vista étnico e de estrutura social está representada na juventude. Existem muitas juventudes e cada uma delas tem uma relação distinta com os meios de comunicação. A mais perversa é aquela onde os meios de comunicação, principalmente aqueles dedicados ao entretenimento, mostram um mundo e um padrão de consumo além das possibilidades de ser alcançados. Esta relação é enfrentada de forma desigual nas escolas públicas, onde professores com pouco ou nenhum equipamento têm de contrabalançar os impactos desta comunicação desproporcional nas mentes jovens.

A desagregação dos padrões culturais vêm com força, também, porque as diversas juventudes não se vêem representadas ou retratadas cotidianamente nos meios de comunicação. Mas sim influenciadas para uma homogeneização em padrões que não necessariamente são possíveis e alcançáveis. Esta massificação de padrões, principalmente de comportamento e beleza, provoca tragédias. Nas periferias dos grandes centros os jovens tem no crime organizado sua porta de acesso ao consumo, uma vez que, assim, conseguem dinheiro para comprar. Ou mesmo, roubam para ter. Este é um padrão que também está afetando a classe média, na medida em que estes jovens são ainda mais susceptíveis aos apelos de consumo.

No caso de meninas o pior exemplo são os casos de morte por bulimia em uma tentativa extrema de ser “bonita” como as modelos. Estamos vivendo neste momento uma revolução nos processos de comunicação. Não se está mais limitado a uns poucos jornais e revistas, meia dúzia de canais de tv e ao rádio. A sociedade brasileira e global está sendo bombardeada por centenas ou milhares de fontes de informações diferentes e ainda não sabemos direito o que fazer com isso e como trafegar nisto que se convencionou chamar sociedade do conhecimento. Esta questão tem duas vertentes importantes em relação à juventude: a primeira é que os jovens são a linha de frente em relação ao uso de novas tecnologias de comunicação; a segunda é que os jovens pobres ficam defasados em relação a este acesso.

Mas há uma terceira vertente para a reflexão, e que tem a ver com a sociedade como um todo, que é o que fazer com as novas possibilidades de meios de comunicação que se abrem cotidianamente. A internet não é mais a última novidade, é apenas mais um meios de transmissão de dados, que agora são portáteis e que contam com penduricalhos como ipods e outros para carregar sons, textos e vídeos. A mídia, focada no consumo e nos aspectos meramente econômicos da decisão, que beneficia um grupo de tecnologia em detrimento de outro, não está enfrentando o debate substantivo que é a multiplicação potencial dos canais de tv aberta e com alta qualidade que a sociedade terá a oportunidade de ter. Serão dezenas de novos canais com possibilidades imensas de programação e de políticas editoriais.

Comunicação é concessão pública e a sociedade não questiona isso. TV e rádio dependem de concessão direta do Estado, enquanto jornais e revistas são agraciados com “imunidade tributária constitucional”, como forma de impedir o cerceamento da opinião por parte dos governantes e oferecer informação a custo menor para a sociedade. Esta revolução do universo da comunicação, com o amadurecimento da Internet e a multiplicação dos canais de TV e rádio através das tecnologias digitais devem levar a uma reflexão maior sobre o compromisso dos meios de comunicação com práticas sociais mais conseqüentes e sustentáveis.

E a juventude se encaixa ai. Ela precisa se ver representada e, ao mesmo tempo, devemos ter uma reflexão social de como enfrentar as necessidades de mais de 35 milhões de brasileiros que, neste momento, têm entre 15 e 24 anos. Muitas possibilidades serão abertas sob o ponto de vista da comunicação comunitária com as novas tecnologias digitais. As rádios comunitárias, que hoje enfrentam boicotes por parte de governos e empresas graças a uma legislação absolutamente coercitiva, poderão ter mais espaço no espectro legal das emissoras, porque haverá mais freqüências disponíveis. Hoje estas emissoras são uma oportunidade de acesso aos meios de comunicação para uma parcela importante da população excluída de representação digna nos meios tradicionais.

É preciso que a sociedade esteja atenta ao que será feito de centenas de novos canais de TV e emissoras de rádio que estarão disponíveis com as novas tecnologias digitais. Assim como a ampliação do acesso à internet está dando chance a milhares de jovens a entrar neste universo virtual, onde meios de comunicação tradicionais, segmentados e alternativos têm a chance de se engajar no debate da juventude e da sustentabilidade. Tempos atrás as várias pautas de desenvolvimento da sociedade eram tratadas de forma estanque. Problemas sociais não se misturavam a problemas ambientais ou econômicos. Isto não é mais válido para uma abordagem de sustentabilidade e as organizações econômicas e da sociedade civil já se aperceberam disto. Apenas ainda não sabem como fazer com que a visão integrada gere soluções que também estejam organizadas de forma sustentável.

O sentido de urgência da juventude, a sensação de rapidez das tecnologias da informação e o discurso da eficiência dos atores econômicos não correspondem à capacidade da sociedade de gerar soluções para o desenvolvimento. Não este do crescimento dos índices econômicos, mas sim o crescimento sustentável onde as atividades econômicas tenham por fim não apenas garantir o lucro dos acionistas, o que é legítimo, mas também cumprir objetivos e metas sociais, de sustentabilidade em seu tripé econômico, social e ambiental. Precisamos estar atentos ao caráter e objetivos dos meios de comunicação.

No Brasil, pela lei, uma empresa de comunicação deve pertencer a um brasileiro nato. Isto faz com que sejam controladas por pessoas físicas e acabam sendo dirigidas por famílias. Os grandes grupos de comunicação, quase todos, são empresas familiares. Alguns já estão sendo controlados por organizações religiosas, que também têm interesses muito definidos. Esta legislação, que garante acesso ao controle dos meios de comunicação a uns poucos privilegiados é retrógrada e precisa ser revista. Mas isto pode ser tema de um outro artigo. (Envolverde)

* O autor é diretor de redação da Envolverde.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Da Propriedade Intelectual à Economia do Conhecimento

Em um trabalho de trinta páginas, o professor Ladislau Dowbor discute a questão da propriedade intelectual, que atualmente circula entre os pensadores na nova economia e já começa a ganhar espaço na pauta dos governos, que buscam a liberação de patentes de propriedade intelectual de produtos como remédios e vacinas e de tecnologias verdes. "Achei que estava faltando um texto em português, de embasamento teórico, tazendo os principais autores e os principais argumentos", explica o economista, doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia e professor titular da PUC de São Paulo.

Para ele, vivemos um momento em que “o eixo central de geração de valor desloca-se do conteúdo material para o conteúdo de conhecimento incorporado aos processos produtivos. Com isso criou-se uma batalha ideológica e econômica em torno do direito de acesso ao conhecimento. O acesso livre e praticamente gratuito ao conhecimento e à cultura que as novas tecnologias permitem é uma benção, e não uma ameaça. Constitui um vetor fundamental de redução dos desequilíbrios sociais e da generalização das tecnologias necessárias à proteção ambiental do planeta. Tentar travar o avanço deste processo, restringir o acesso ao conhecimento e criminalizar os que dele fazem uso não faz o mínimo sentido. Faz sentido sim estudar novas regras do jogo capazes de assegurar um lugar ao sol aos diversos participantes do processo. Vale a pena atentarmos para o universo de mudanças que se descortina: são os trabalhos de Lawrence Lessig sobre o futuro das idéias, de James Boyle sobre a nova articulação dos direitos, de Joseph Stiglitz sobre a fragilidade do sistema de patentes, de André Gorz sobre a economia do imaterial, de Jeremy Rikin sobre a economia da cultura, de Eric Raymond sobre a cultura da conectividade, de Castells sobre a sociedade em rede, de Toffler sobre terceira onda, de Pierre Lévy sobre a inteligência coletiva, de Hazel Henderson sobre os processos colaborativos e tantos outros inovadores. Nestas propostas, veremos que as mudanças não estão esperando que se desenhem utopias, um outro mundo está se tornando viável.
Veja a íntegra do artigo no link (http://dowbor.org/wp/?p=766)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A mensagem está no método, não no meio: uma revolução fora do papel

Por Sérgio Abranches

O jornalismo está passando por uma revolução e, vejam só, nenhuma surpresa, ele está informando sobre ela. Onde quer que eu vá para discutir mudança no século XX, tropeço com a mesma idéia. Todas as disciplinas e todas as profissões estão cheias de pessoas vendo uma revolução em processo – eu disse em processo – não que se prenuncia.

Ela está apenas começando, em seu estágio primitivo, mas já produziu mudança suficiente para nos maravilharmos com as novas possibilidades que ela abre; nos assustarmos com os riscos e questões éticas que ela levanta; e ficarmos perplexos com as incertezas à frente. Há alguns determinantes comuns a toda essa movimentação: saltos na tecnologia digital e de computação; emergência de novas mídias e convergência das mídias; novos campos científicos, novo conhecimento e novos recursos por toda parte.



Eu estava zapeando na TV, quando parei numa entrevista da Márcia Peltier com o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, provavelmente um dos mais proeminentes em seu campo na América Latina. Conheço o Paulo pessoalmente e é uma grande figura. Ele falava que a medicina em geral, e sua especialidade, em particular, estão sendo revolucionadas por novas descobertas científicas e tecnológicas. Ele tentava passar a idéia de que estava falando sobre revolução, não mudança incremental, ou mesmo mudança rápida. Ele não falava de avanços ou aperfeiçoamentos em uma determinada prática, modelo ou paradigma. Ele falava sobre uma transformação total, mudança radical, ruptura de paradigma. “Tão radical como quando a moderna medicina ocidental nasceu do desenvolvimento da anatomia”, disse.

Três áreas de progresso científico e tecnológico estão dirigindo essa revolução: genômica e a possibilidade de redesenho terapêutico dos genes; pesquisa com células-tronco embrionárias e a perspectiva de terapia celular; e nanotecnologia, como caminho para cirurgias e tratamentos não-invasivos, particularmente na neurologia. Alguns saltos já fizeram enorme diferença. Ele mencionou, como exemplo, o extraordinário avanço no diagnóstico e no tratamento propiciado com a substituição da radiografia pela imagem por ressonância magnética. Claro, a tecnologia digital e de computação são parte dessa revolução também.

Soa familiar para aqueles que estão debatendo o futuro do jornalismo? Com certeza. Estamos tentando surfar uma gigantesca onda de mudanças. Uma revolução, que está transformando o negócio, a tecnologia, a economia, a profissão, a prática, a ética e a pauta do jornalismo. Nem um só tijolo de todo o edifício do jornalismo construído ao longo do século XX ficará intocado. Obviamente, os céticos podem sempre dizer que a tese da revolução é só uma justificativa para não enfrentar o trauma que a morte do jornalismo poderia causar. Talvez. Então, o jornalismo morreu. Tudo bem. Vida longa para o jornalismo.

Essa é uma forma para lá de esquisita de morrer: relatando o próprio passamento e ainda falando da vida post-mortem. Ou nos movemos para o mundo místico, ou isso é o jornalismo no seu melhor momento, com todo o cinismo, ceticismo, controvérsia e agitação típicos da cultura da redação. Olhando para o que está acontecendo e tentando entender aonde todo esse tumulto vai dar: isso é o que jornalistas fazem. Porque é uma disrupção, não uma atualização, como disse com precisão Clay Shirky. Essa mudança revolucionária, não é causada apenas pela tecnologia e novos recursos de rede social na web. Nem acontece apenas no jornalismo.

O aquecimento global, um macro-fator de mudança no século XXI está determinando a aceleração e reorientação de prioridades e investimentos em ciência e tecnologia; está reformulando a prática médica, por meio de pandemias, dos efeitos de ondas de calor e frio; ou os negócios, abrindo novas avenidas para investimento, fechando rotas tradicionais de ganhar dinheiro; ou o jornalismo, redefinindo o modo pelo qual se deve procurar a conexão com a mudança climática em toda cobertura; e a lista vai adiante, alcançando todas as práticas relevantes que se possa imaginar.

Steve Yelvington diz, acertadamente, que

“a tecnologia está operando profundas transformações no jeito com que as pessoas descobrem e chegam a entender eventos públicos. O processamento social dessa informação está se mudando da sala de jantar e da mesa de refeições para as redes. O poder da informação está se deslocando dos centros e instituições, para as franjas e para os indivíduos”.

A tecnologia, tanto quanto o aquecimento global são tendências firmes do século XXI com as quais jornalismo terá que lidar e às quais terá que se adaptar, encontrando novos modos de continuar cobrindo os acontecimentos e se financiando.

Como diz Yelvington,

“no contexto dessa mudança, um jornalista ou um executivo da imprensa que persista operando como se ele vivesse no século XX é culpado de falhar na busca de cumprir com suas obrigações morais, ou financeiras, com seu público, ou com seus investidores”.

Os jornais, contudo,

“continuam a produzir um produto com o mesmo formato geral e o mesmo conjunto de ingredientes de uma década ou, mesmo, de uma geração atrás”.

A atitude em relação a esse ambiente em rápida mutação tem sido reativa e não inovadora. Quanto tempo o jornalismo ainda levará para se recriar como uma profissão e como um negócio é uma questão aberta, que aceita múltiplas respostas contrastantes e o jornalismo mal começou a respondê-la.

Minha impressão é que os jornalistas, individualmente, como profissionais, estão se movendo mais rapidamente, explorando a web para obter informação, usando as redes sociais para disseminar notícias e opiniões, para ampliar o diálogo entre eles mesmos e com outros profissionais no ramo de buscar e divulgar informação, especialmente os blogueiros. Os jornais têm sido bem menos habilidosos na travessia das trilhas por essas novas veredas digitais.

Yelvington argumenta que

“encontrar essas respostas será um processo confuso, envolverá fracassos e, para muitos, grande sacrifício pessoal. Para os milhares de jornalistas, operadores gráficos, motoristas e outros cuja vida será virada de ponta cabeça”.

A sobrevivência dependerá da eficiência com que “descobrirão novas formas de exercer papéis de valor social”. Para os jornalistas, o desafio é “se adaptar a um mundo no qual compartilham o poder da informação com ativistas, empresários, e pessoas antigamente conhecidas como a audiência” e muitos estão não apenas se adaptando, mas reportando e debatendo o que está acontecendo nesse caminho, os experimentos em curso, os fracassos, as descobertas.

Steven Johnson tem uma visão semelhante e sua conclusão pode servir como visão geral desse tema:

“quaisquer sejam as causas subjacentes (…) o negócio da imprensa – e portanto seu produto editorial – será completamente diferente daqui a cinco ou dez anos (…) Eu penso que há boas razões para acreditar que o sistema de imprensa que está evoluindo online será de fato um modelo de jornal melhor do que este com o qual temos vivido pelo último século”.

Então, a imprensa que está evoluindo online não está realmente matando o jornalismo, e pode mesmo ser apenas uma de suas novas configurações. E os blogs? São uma imitação espúria de jornalismo, uma forma amadora e irresponsável de espalhar rumor, fofoca, fato sem confirmação, opinião vazia e outros conteúdos virulentos e corrompidos? Tem disso aí pela Web.

Mas, o professor da escola de jornalismo da New York University e blogueiro Jay Rosen (@jayrosen_nyu ), tem um forte argumento para negar essa visão negativa do blog:

“bons ‘bloggers’ constroem confiança com uma base de usuários online e, ao longo do tempo, as práticas que levam confiança para a plataforma onde os usuários realmente estão… são sua ética, suas regras”.

E ele vai além:

“aqueles no jornalismo que querem trazer ética para o blog têm que começar pelo que faz as pessoas confiarem em (alguns) blogueiros, não com um figurino (template) ético feito para uma plataforma anterior que operava como um sistema fechado, em um mundo de um-para-muitos. É o que digo: se os blogueiros não tivessem ética, o blog teria fracassado. E é claro que ele não fracassou”.

Jornalistas blogueiros estão se tornando uma presença de larga escala globalmente. Alguns deles se tornaram fontes obrigatórias de informação, opinião fundamentada e informação especializada em determinados temas no mundo todo.

Steve Johnson nos diz que ele obtém informação muito mais útil desse novo ecossistema, do que ele conseguia retirar apenas da imprensa tradicional 15 anos atrás. Mas, alerta, “eu sou um navegador muito experiente da infovia”. Há muitos instrumentos de navegação para ajudar qualquer um a navegar por esse bravo novo mundo da informação online: RSS, robôs, buscadores, Twitter e outros recursos de rede social. Dominá-los com habilidade é tão importante quanto entender os novos princípios da navegação.

Johnson observa, corretamente, que hoje há “mais perspectivas, maior profundidade e mais superfície”. Nada está maduro. No futuro, ele aposta, haverá “mais conteúdo, não menos; mais informação, mais análise, mais precisão e um espectro mais amplo de nichos que terão cobertura”. Eu não apostaria contra ele. Esse aumento quantitativo e qualitativo de conteúdo já está aí, para qualquer um ver, em todas as línguas e em praticamente todos os temas.

O que fazer a respeito disso? Surfar alto as ondas da mudança. Cobrir a mutação. Principalmente, refletir sobre ela, discutí-la com a audiência que se transformou em uma comunidade muito ativa. Por ela a informação flui, dos cérebros e mãos tanto de profissionais, quanto de amadores avançados e não é mais consumida passivamente, mas discutida, reprocessada e frequentemente reciclada e reintroduzida no infofluxo. A matéria jornalística é uma parte fundamental desse fluxo. Shirky nos lembra o ponto preciso do sociólogo Paul Starr de que o jornalismo não é apenas descobrir fatos e formatar notícias.

“Diz respeito, também, a formar um público para ler e reagir a suas matérias. Para um programa de TV, com uma audiência de um milhão, ninguém se importa se é o mesmo milhão toda semana, o que manda é o número de telespectadores. Um público, por contraste, é um grupo de pessoas que não apenas sabe coisas, mas conhece outros membros que também sabem coisas”. Uma comunidade e, para essa comunidade, o “jornalismo é sobre a criação de uma consciência compartilhada”.

O jornalismo é tanto um instrumento da notícia, quanto é um recurso da comunidade e à medida que tanto a fisionomia social dessa comunidade e seu ambiente mudam radicalmente, ele tem que se recriar, mantendo as regras sólidas da profissão das quais retira sua credibilidade e confiança, e adaptando algumas das velhas regras aos novos modos. A notícia precisa continuar a fluir.

Na extraordinária novela de ficção científica de Frank Herbert, Duna, a “especiaria” é a chave de todo o sistema econômico, social e político. Uma frase é repetida, como um mantra, pelo narrador e por vários personagens: “a especiaria tem que fluir”. É isso aí: a notícia tem que fluir. O jornalismo não pode morrer porque ele é, como os vermes gigantes que processam a água no deserto de Duna para produzir a especiaria, vital para que o sistema continue a evoluir, para que atravesse as turbulências. O jornalismo processa informação hoje de mais fontes, de formas ainda mais complexas, para produzir e entregar suas matérias a uma comunidade consumidora ampliada. De sua vitalidade depende o fluxo de notícias que permite ao sistema societário, físico e online, continuar fazendo sentido de si mesmo.

Então, isso é a morte do jornalismo como o conhecemos, ou seu penoso renascimento no novo infomundo? Ao fim e ao cabo, não importa muito. Ele estará entre nós por mais tempo que conseguimos enxergar. É claro que há uma equação econômica – particularmente no EUA e na Inglaterra – que se mostra muito difícil de resolver para manter o negócio da imprensa e pagar os jornalistas por seu trabalho. Ela ainda tem muitas incógnitas. Então, é preciso continuar olhando criticamente as experiências e soluções tentativas, que as organizações de imprensa estão testando.

Bem vindos à revolução e, cuidado, as revoluções tendem a devorar muitos revolucionários que se perdem dela. Uma coisa é certa, ao final, o resultado desses ciclos dentro de ciclos de mudanças será muito diferente de tudo que imaginamos e desejamos.


(Envolverde/Ecopolítica)